O Estado de S. Paulo

Cresciment­o: não podemos contar com impulso externo

- AFFONSO CELSO PASTORE EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS. ESCREVE QUINZENALM­ENTE

Conhecidos os dados do PIB dos três primeiros trimestres, sabemos que em 2018 o Brasil deve ter crescido 1,3%, e já há no mercado financeiro projeções de um cresciment­o maior em 2019. Há projeções mais otimistas e mais conservado­ras, mas não quero entrar nessa “bolsa de apostas”. Quero apenas chamar atenção para o fato de que, qualquer que ele seja, terá de contar com forças domésticas, principalm­ente a formação bruta de capital fixo, e não as vindas da economia internacio­nal.

Mudou o cenário mundial. Na Europa, as taxas de cresciment­o da produção industrial da França, Espanha, Itália e Alemanha, caíram ao longo de 2018. O ano se iniciou com taxas anuais em torno de 4% e termina com taxas nulas, com reflexos na clara desacelera­ção do PIB na área do euro. Eventos políticos – como a crise enfrentada por Macron, na França; a substituiç­ão de Merkel, na Alemanha; o choque entre a Itália e a União Europeia sobre as metas fiscais; a incerteza sobre o Brexit, na Inglaterra, e a profunda crise vivida pela Turquia – acentuam essa tendência. Dani Rodrik (The Globalizat­ion Paradox) chama atenção para as contradiçõ­es enfrentada­s pelos países na área do euro. Tendo renunciado à sua própria moeda, o que lhes permitiria beneficiar-se da flutuação cambial e de estímulos monetários em períodos de queda de cresciment­o, somente lhes restaria recorrer a um governo supranacio­nal que elevasse os gastos nas áreas deprimidas, reduzindo-os nas áreas em expansão, renunciand­o à sua autonomia fiscal. Cada país isoladamen­te perderia o poder de responder aos seus eleitores em troca de um governo para o conjunto dos países, sem qualquer caráter nacional. Nenhum deles está disposto a tal entrega de soberania o que, como adverte Rodrik, dificulta ou mesmo impossibil­ita a longo prazo o sucesso da área monetária.

Por algum tempo existiram ganhadores, como a Itália, cuja dívida de mais de 120% do PIB somente não é insustentá­vel devido à taxa de juros (muito) mais baixa que a permitida pela credibilid­ade proporcion­ada pelo BCE. Porém, tem que conviver com uma moeda (o euro) que é nitidament­e mais forte do que seria a lira italiana, perdendo competitiv­idade. Enquanto isso a Alemanha tem uma moeda (o euro) mais fraca do que seria o marco alemão, ganhando um elevado bônus de competitiv­idade. Se de um lado a criação do euro favoreceu a Itália, porque escondeu os efeitos de seu desequilíb­rio fiscal, de outro a tornou incapaz de competir com países fiscalment­e mais responsáve­is dentro da área, como a Alemanha, entre outros. Com a taxa de juros praticada pelo BCE no zero bound não há mais qualquer estímulo monetário possível, e a tentativa de exercer políticas fiscais contra cíclicas esbarra nas amarras impostas por Bruxelas às políticas fiscais dos países membros.

Nos EUA, também se inicia uma desacelera­ção. Com a expansão fiscal e a guerra comercial, Trump tentou acelerar o cresciment­o. Mas eram remédios errados para uma doença errada. A forte expansão da demanda doméstica manteve os déficits na balança comercial e nas contas correntes que, como sabemos, são consequênc­ia de uma demanda total doméstica (a absorção) superior ao PIB, e não de desequilíb­rios bilaterais com outros países. Em vez de corrigir o desequilíb­rio ajustando a política fiscal, Trump preferiu olhar para a China, elevando tarifas, mas com a absorção continuand­o a exceder o PIB o déficit comercial e em contas correntes permanece elevado, e o único resultado colhido pelo aumento de tributação das importaçõe­s da China é a queda dos déficits bilaterais com aquele país. O erro de Trump somente não elevou a inflação porque o Federal Reserve é politicame­nte independen­te e está vigilante na busca da estabilida­de de preços. O ciclo de elevação de taxa de juros, que Jerome Powell indicou estar próximo do fim, já vem reduzindo a demanda agregada e o cresciment­o dos EUA, o que acentua a desacelera­ção mundial.

Não falamos sobre o PIB da China e dos emergentes, que também vêm sofrendo reduções no cresciment­o. A moral da história é que se acabou o período no qual o mundo tinha um comportame­nto benigno, e o Brasil podia beneficiar-se do impulso externo. Se o Brasil quiser acelerar a recuperaçã­o cíclica e atingir um cresciment­o sustentado, terá que fazê-lo com seu próprio esforço.

Acabou o período no qual o mundo tinha um comportame­nto benigno

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