O Estado de S. Paulo

‘A Escola de Chicago ficou menos isolada’

Para diretor, escola pela qual passou Paulo Guedes já não acha que os mercados são sempre perfeitos

- Beatriz Bulla

O Departamen­to de Economia da Universida­de de Chicago, por onde passou o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, e parte das lideranças de seu time para formar o próximo governo, se transformo­u ao longo do tempo. Em entrevista ao Estado, o economista Robert Shimer avalia que a escola está menos isolada em suas visões do que na época em que Milton Friedman impulsiono­u a defesa do livre mercado. “Não acho que há muitas pessoas que acreditem que mercados são sempre e em qualquer lugar perfeitos e não há necessidad­e de nenhuma interferên­cia do governo em nenhum lugar. Essa é uma visão da Escola de Chicago que não se vê aqui, ao menos em muitas pessoas desse departamen­to atualmente”, afirmou Shimer. Na Universida­de desde 2003, Shimer assumiu o posto de “chair” do departamen­to – o equivalent­e a diretor – neste ano, mas não conhece a equipe de Guedes.

• O sr. vê alguma diferença entre o que é a Escola de Chicago hoje e o que foi na época de Milton Friedman, que deu voz às teorias de livre mercado?

Não estava aqui na época do Milton Friedman, então é um pouco difícil de responder. Há coisas semelhante­s entre a Chicago de hoje e a Chicago de 30, 40 anos atrás, mas também há coisas que mudaram aqui. Naquela época, os mercados estavam sob ataque e os principais economista­s estavam escrevendo livros sobre uma potencial superiorid­ade de ‘planned economies’ (economias controlada­s por governos) sobre economias de mercado, o sistema da União Soviética sobre o sistema dos Estados Unidos naquele período. Era uma visão controvers­a a de que o mercado poderia ir muito bem e de que há limitações nos governos. A Escola de Chicago, não diria que era sozinha, mas foi uma líder no pensamento, em primeiro lugar, de que os mercados podem alcançar resultados muito bons e, em segundo lugar, de que há limitações no que os governos podem fazer em questões econômicas.

Não acho que as pessoas acreditem que mercados são sempre, e em qualquer lugar, perfeitos e que não há necessidad­e de nenhuma interferên­cia do governo em nenhum lugar. Essa é uma visão da Escola de Chicago que não se vê aqui, ao menos em muitas pessoas desse departamen­to atualmente.”

E atualmente?

Não acho as pessoas acreditem que mercados são sempre, e em qualquer lugar, perfeitos e que não há necessidad­e de nenhuma interferên­cia do governo em nenhum lugar. Essa é uma visão da Escola de Chicago que não se vê aqui, ao menos em muitas pessoas desse departamen­to atualmente. Mas por outro lado há a visão de que economias de mercado geralmente “performam” muito bem em várias dimensões e há limitações no que os governos podem fazer. Isso seria a corrente principal. Chicago está menos ‘isolada’ em suas visões

do que era quando Milton Friedman estava aqui.

• O sr. mencionou que o contexto era diferente na época de Friedman. É o contexto o responsáve­l por mudanças?

O Brasil, por exemplo, teve uma grande mudança política. Provavelme­nte, há questões abertas sobre os papéis a serem exercidos pelo mercado e pelo governo. Algumas dessas questões apareceram nos Estados Unidos também.

• O que se torna importante em política econômica durante esses momentos de mudança?

Há muitas coisas que o merca-

do consegue fazer extremamen­te bem e que os governos conseguem fazer. Há uma série de experiment­os – e essa talvez seja uma palavra leve – de governos tentando comandar a economia, forçar as pessoas a fazerem coisas que elas não desejam. Isso não parece funcionar no longo prazo. A União Soviética e o Leste Europeu são exemplos extremos disso. Não significa, de outro lado, que os mercados estão sempre corretos, há limitações, como externalid­ades. É preciso ter cuidado sobre o papel do governo de intervençã­o nos mercados, porque também não é verdade que os governos sempre se saem bem. Governos são compostos por indivíduos, que têm seus próprios interesses. Governos nem sempre alcançam resultados perfeitos.

Para dar um contexto muito rápido sobre o Brasil. Temos um elevado déficit fiscal no momento. Entre as medidas defendidas pela nova equipe econômica para solucionar o problema está uma imediata reforma da Previdênci­a e um processo de privatizaç­ão de empresas estatais. Pensando nesse cenário, qual seria sua avaliação para recuperaçã­o de confiança dos mercados e geração de cresciment­o econômico?

Não é exatamente minha área de expertise, já que um país como o Brasil não pode lidar com o mesmo nível de déficit que os Estados Unidos pode. Faz sentido que seja necessário colocar o déficit sobre controle. Para fazer isso, é preciso haver uma combinação de aumento de tributos e corte de benefícios dados pelo governo. Ou aumentando a receita de outra maneira, com a venda de companhias estatais, por exemplo. A questão é qual o papel do governo nessas companhias e quais devem ser vendidas. Em casos de monopólios nacionais, onde naturalmen­te só havia uma firma operando, é preciso pensar em regulação quando a companhia é vendida. Não sei exatamente quais seriam considerad­as no Brasil, mas imagino que há espaço para aumentar a eficiência da economia assim como aumentar a receita com essas vendas. Sobre reformas da Previdênci­a, de novo, não sei sobre o contexto brasileiro. Há sempre problemas quando se fala em reformas como essa – há ganhadores e perdedores. Ao mesmo tempo, todo mundo sofre se há um crise fiscal, um colapso da moeda. Há uma questão entre fazer uma reforma fiscal agora ou ser forçado a fazer em alguns anos pelos mercados financeiro­s globais. Mas, de novo, eu não sei o suficiente sobre Brasil especifica­mente.

Conhece algum desses profission­ais brasileiro­s que passaram por Chicago, como o economista Paulo Guedes?

Infelizmen­te, não. Eu me tornei ‘chairman’ (o equivalent­e a diretor) do departamen­to de economia apenas neste ano e não tenho uma rede de contatos no Brasil particular­mente.

Paul Romer, um dos ganhadores do Prêmio Nobel de Economia deste ano, teve uma passagem

pela Universida­de de Chicago. O que a entrega do Nobel deste ano indica? Sobre Romer, eu vejo que sua observação principal foi o papel da inovação e o quanto a inovação é importante para avanços nas fronteiras tecnológic­as. Também há um aspecto central da inovação como algo que, uma vez descoberto, pode ser adotado por todos no mundo. Pensando sobre questões relevantes ao Brasil, as ideias descoberta­s em uma parte do mundo podem se espalhar muito rapidament­e a outras partes. É algo que vimos de forma dramática nas últimas décadas na Ásia, na China, e é algo que acontece numa taxa mais baixa no Brasil. E o cresciment­o da América Latina, em comparação com a Ásia, tem sido decepciona­nte. Parte da resposta a isso, e estou indo além do que Romer escreveu, é a forma como as ideias se espalham de um país rico para países menos ricos – é através da abertura de mercados, através de comércio, de investimen­to estrangeir­o direto.

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Campus. Guedes e parte de sua equipe estudaram em Chicago
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JIM YOUNG/REUTERS
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UNIVERSIDA­DE DE CHICAGO Novato.Shimer, que assumiu o cargo neste ano na universida­de, não conhece a equipe de Paulo Guedes

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