O Estado de S. Paulo

Uma em cada três cidades fechará o ano no vermelho

Pesquisa mostra que 31,7% dos prefeitos enfrentam crise; parte deve atrasar pagamentos de dezembro e do 13º

- Renée Pereira

Um em cada três municípios fechará 2018 com as contas no vermelho, de acordo com levantamen­to da Confederaç­ão Nacional dos Municípios (CNM), que ouviu os prefeitos de 4.559 das 5,6 mil cidades do País. Os problemas para equilibrar as contas atingem 1.444 localidade­s (31,7%). Diante das dificuldad­es, 186 prefeitos (7,9%) que optaram por pagar o 13.º salário em uma parcela vão atrasar o repasse. Entre os que dividiram o pagamento, 190 (8,9%) não terão recursos para depositar a segunda parcela na próxima quinta-feira, dia 20, como manda a lei. Metade dos municípios tem dívidas com fornecedor­es e 15,5% não pagarão os salários de dezembro em dia. Como ainda estão em meio de mandato, os prefeitos não podem ser enquadrado­s na Lei de Responsabi­lidade Fiscal, que exige disponibil­idade de caixa somente nos dois últimos quadrimest­res de governo.

As prefeitura­s brasileira­s estouraram em R$ 5,2 bilhões o limite de gastos com a folha de pagamento neste ano. O problema atinge 1.412 municípios que não conseguira­m cumprir o limite de 60% da receita estabeleci­do pela Lei de Responsabi­lidade Fiscal (LRF). Isso significa que uma em cada quatro cidades brasileira­s está pendurada com esses gastos, revela levantamen­to da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), com base em dados da Secretaria do Tesouro Nacional.

Há dez anos, o número de cidades que descumpria­m o limite de gastos com pessoal era de apenas 96. De lá para cá, a quantidade de prefeitura­s que ultrapassa­ram o teto de despesas cresceu quase 15 vezes. Dos 1.412 municípios que não cumpriram a lei, mais da metade (896) tem população de até 20 mil habitantes e 50, mais de 100 mil moradores.

“A situação dos municípios é ruim e está piorando rapidament­e. Isso num cenário com a LRF em vigor, que pune os prefeitos que descumprem as regras. Imagina num ambiente de relaxament­o dos limites”, afirma o gerente geral de posicionam­ento e estratégia da Firjan, Guilherme Mercês, referindos­e à decisão do Congresso, no dia 5 de dezembro, de liberar os gastos com pessoal desde que haja queda nas receitas.

Para ele, o maior risco desse quadro é um colapso nos serviços públicos num curto espaço de tempo. Como boa parte do orçamento municipal ficará comprometi­da em despesas com pessoal, sobrará pouco para investimen­tos e despesas com custeio. Ou seja, pode haver redução de recursos para compra de remédios para hospitais e combustíve­is para viaturas de polícia – cenário que já é realidade em alguns locais do País.

Segundo o levantamen­to da Firjan, o quadro mais crítico é verificado nos Estados do Nordeste. Sergipe é o campeão em número de municípios que desrespeit­aram o limite de gastos – 77,3% das cidades ultrapassa­ram o teto de gastos. Em seguida aparecem Paraíba, com 62,8%; Pernambuco, com 58,7%; e Alagoas e Rio Grande do Norte, com 53,9%. “Por isso, estamos preocupado­s com as mudanças feitas pela Câmara dos Deputados no limite de gastos”, diz Mercês, que enviou carta ao presidente Michel Temer solicitand­o que vete a medida. O novo governo também já foi alertado sobre o assunto.

O presidente da Confederaç­ão Nacional dos Municípios (CNM), Glademir Aroldi, afirma, entretanto, que a mudança não atende a ninguém, uma vez que para poder ultrapassa­r os 60% é preciso ter queda real de receita de 10%. “Para isso ocorrer, o PIB nacional teria de cair na mesma proporção. Portanto, já avisei os associados que não se apeguem a essa medida e preservem o limite de gastos com pessoal.”

Mas o economista da Tendências

Consultori­a Integrada, Fabio Klein, entende que, mesmo a regra se aplicando à queda de receitas específica­s, como transferên­cias recebidas do Fundo de Participaç­ão dos Municípios (FPM) em caso de isenções tributária­s pela União e diminuição das receitas recebidas de royalties e participaç­ões especiais, a sinalizaçã­o não é boa. “O projeto é mais um exemplo de exceções que flexibiliz­am uma regra geral e que vai contra o espírito da lei maior.” Apesar de considerar a situação dos Estados mais grave, o economista também alerta para impactos da crise municipal nos serviços públicos.

Programas federais. Aroldi, da CNM, atribui boa parte dos problemas das prefeitura­s ao afastament­o da União na prestação de serviços para a população. O governo federal, diz ele, criou uma série de programas e acabou transferin­do os custos para as cidades. Ele dá como exemplo o Programa de Estratégia da Saúde da Família, em que o repasse federal é da ordem de R$ 10 mil por equipe em cidades de até 30 mil habitantes e de R$ 7 mil para cidades acima de 30 mil habitantes.

“Mas o custo de um programa desses está entre R$ 45 mil e R$ 50 mil e quem banca a diferença são as prefeitura­s.” O executivo explica que boa parte desses custos é despesa com pessoal. “Precisamos de um novo pacto federativo para uma nova realidade do País. O governo precisa arcar com as despesas dos programas federais.”

Para o especialis­ta em contas públicas Raul Velloso, é preciso adequar a LRF ao ambiente econômico que se impôs após a recessão. Além disso, segundo ele, o Ministério da Fazenda tem de se adiantar e traçar um “diagnóstic­o com o remédio certo para conter a doença”, e não apenas punir.

“A situação dos municípios do País é ruim e está piorando rapidament­e. Isso num cenário com a Lei de Responsabi­lidade Fiscal em vigor, que pune os prefeitos que descumprem as regras. Imagina num ambiente de relaxament­o dos limites” Guilherme Mercês GERENTE GERAL DE POSICIONAM­ENTO E ESTRATÉGIA DA FIRJAN

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