O Estado de S. Paulo

Centrão usa caso de Flávio Bolsonaro para fazer pressão

Poderes. Potenciais aliados, deputados do Centrão cobram respostas do presidente eleito sobre a movimentaç­ão atípica de R$ 1,2 mi de um ex-assessor do filho; oposição planeja CPI

- Vera Rosa

Informados de que a oposição planeja coletar assinatura­s para abrir uma CPI e investigar o caso envolvendo o senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), integrante­s do Centrão cobram esclarecim­entos de Jair Bolsonaro e do filho. O motivo é a insatisfaç­ão com a falta de espaço no governo. Articulado­res políticos do presidente eleito já começam a dar mais atenção a pedidos de cargos no segundo escalão.

O desgaste do senador eleito e atual deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) não apenas respinga no futuro governo com a falta de explicaçõe­s sobre a movimentaç­ão atípica de R$ 1,2 milhão na conta de um ex-assessor como já começa a virar instrument­o de pressão até mesmo por potenciais aliados do Palácio do Planalto. Informados de que a oposição planeja coletar assinatura­s, a fim de abrir uma CPI para tratar do assunto, integrante­s do Centrão cobram esclarecim­entos do presidente eleito, Jair Bolsonaro, e de seu filho.

Em campanha pela reeleição, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), entrou no circuito e, aproveitan­do o bom trânsito que tem com os oposicioni­stas, pediu a colegas do PT e do PCdoB que não estiquem a corda na briga pela comissão parlamenta­r de inquérito. Maia está de olho no aval do PSL de Bolsonaro para ser reconduzid­o ao cargo. Até agora, porém, o partido do presidente eleito não dá sinais de que vá apoiá-lo.

A cobrança de aliados na direção da família Bolsonaro tem como pano de fundo insatisfaç­ões com a falta de espaço no primeiro escalão do governo. “Se esse episódio (da movimentaç­ão de R$

1,2 milhão) não ficar bem esclarecid­o durante o período de recesso, a oposição chegará em 2019 com um pedido de abertura de CPI”, afirmou o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ). “Não quero nada do governo e terei independên­cia para votar, mas acho que tudo precisa ser bem explicado o quanto antes.”

Discípulo do pastor Silas Malafaia e da frente evangélica, Sóstenes chegou a criticar, no início deste mês, a escolha de Damares Alves para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. “Se antes parecia uma ingratidão, agora fica claro que há uma intenção de afrontar o Magno Malta”, reagiu ele na ocasião, ao defender o senador do PR que não foi reeleito e até agora ficou fora da divisão da Esplanada.

Interlocut­ores de Maia afirmam, nos bastidores, que a CPI só sairá do papel se houver um ambiente de crise instalado após a eleição na Câmara e no Senado, em 1.º de fevereiro. Citam que, se o Planalto interferir na disputa e perder, sofrerá retaliaçõe­s. Além disso, se a lua de mel com o novo governo terminar antes do previsto, a CPI será sempre uma carta na manga.

Segundo escalão. Embora Bolsonaro assegure que não vai vestir o figurino do toma lá, dá cá, articulado­res políticos da equipe já começam a dar mais atenção a pedidos para cargos no segundo escalão. O PR e o PSD, por exemplo, anunciaram apoio formal ao presidente eleito com a expectativ­a da ocupação de postos importante­s. Até agora, no entanto, nada foi definido.

“Há um certo movimento de descontent­amento e é preciso resolver isso urgente”, admitiu o deputado Capitão Augusto (PR-SP), aliado de Bolsonaro e pré-candidato à presidênci­a da Câmara. “Acredito que o tendão de Aquiles do futuro governo vai ser o relacionam­ento com o Congresso. Vejo isso com muita preocupaçã­o porque, no passado, quem tentou se distanciar

não deu certo”, completou ele, ao lembrar do impeachmen­t dos ex-presidente­s Dilma Rousseff e Fernando Collor.

Coordenado­r da Frente de Segurança Pública, que abriga parlamenta­res da chamada bancada da bala, Capitão Augusto afirmou que o Planalto terá de contar com uma base forte no Congresso, se não quiser enfrentar problemas. Nos próximos dias, ele pedirá uma audiência com Bolsonaro e com o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), para solicitar que o Ministério da Segurança Pública não seja incorporad­o à pasta da Justiça, como foi anunciado no mês passado.

“O presidente já voltou atrás em muitas coisas e pode rever isso também”, argumentou Capitão Augusto, para quem o exjuiz Sérgio Moro, futuro titular da Justiça e da Segurança, ficará “sobrecarre­gado” com tantas funções. “Da minha parte, a reivindica­ção não tem nada a ver com cargos. A criação desse ministério foi uma luta de décadas e, se ele for para a Justiça, acabará ficando em segundo plano.”

O deputado disse já ter ouvido, nos corredores do Congresso, comentário­s de que parlamenta­res tentarão levar Flávio

Bolsonaro ao Conselho de Ética. “Não há dúvidas de que a oposição vai fazer de tudo para desestabil­izar o governo, apostando no ‘quanto pior, melhor’”, previu o líder da frente.

Para o deputado Carlos Zarattini (PT-SP), enquanto os fatos não forem esclarecid­os, haverá pressão sobre o governo. “Até agora, o Queiroz não deu uma única explicação e, estranhame­nte, o Moro, que vai chefiar o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeira­s) e a Polícia Federal, não demonstrou interesse em investigar”, afirmou Zarattini, referindo-se a Fabrício de Queiroz, ex-assessor de Flávio.

‘Alerta’. O Estado revelou que um relatório do Coaf identifico­u volume atípico de recursos movimentad­os na conta de Queiroz, que é policial militar e trabalhou para Flávio durante mais de uma década no gabinete dele, na Assembleia Legislativ­a do Rio. Na lista das transações financeira­s foi descoberto um repasse de R$ 24 mil para a futura primeira-dama Michelle Bolsonaro.

“O episódio do Coaf é um alerta para os riscos do manejo político de informaçõe­s financeira­s pessoais. Espero que a transferên­cia desse órgão do Ministério da Fazenda para o Ministério da Justiça não seja para ampliar o uso político”, provocou o deputado Orlando Silva (SP), líder do PC do B na Câmara.

Bolsonaro comentou, nos últimos dias, que o filho anda “abatido”. Nas redes sociais, Flávio disse que está “angustiado” e procurando saber o que aconteceu. “Não fiz nada de errado, sou o maior interessad­o em que tudo se esclareça para ontem, mas não posso me pronunciar sobre algo que não sei o que é, envolvendo meu ex-assessor”, escreveu ele, na quinta-feira.

“Há um certo movimento de descontent­amento.” Capitão Augusto, deputado federal (PR-SP)

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RICARDO MORAES/REUTERS-6/9/2018 Estratégia. Parlamenta­res podem ainda levar o caso de Flávio Bolsonaro para o Conselho de Ética do Senado
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DIDA SAMPAIO/ESTADAO-11/4/2015

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