O Estado de S. Paulo

França vê influência russa em protestos

Nas redes sociais. Serviço de inteligênc­ia francês investiga onda de fake news que se espalhou entre manifestan­tes, como boatos sobre a adesão de policiais ao movimento e um plano do presidente Emmanuel Macron para abrir totalmente as fronteiras do país

- Jamil Chade

A França investiga se sites e contas nas redes sociais ligados à Rússia espalharam fake news com o objetivo de agravar a crise dos “coletes amarelos”.

Empresas especializ­adas em detectar fake news descobrira­m que redes sociais controlada­s por russos estão incentivan­do os protestos dos chamados “coletes amarelos”. A inteligênc­ia francesa investiga a possível interferên­cia estrangeir­a por meio de sites e contas que estariam espalhando rumores para agravar a crise, que entra em sua quinta semana.

A Secretaria-Geral da Defesa Nacional coordena um levantamen­to dos serviços de inteligênc­ia sobre as contas mais ativas na promoção de imagens sobre os protestos. Ao Estado, as autoridade­s francesas rejeitaram a ideia de que o movimento seja orquestrad­o do exterior, mas há indícios de que a crise está sendo usada por estrangeir­os.

A empresa de cibersegur­ança New Knowledge, com base nos EUA, afirma ter identifica­do pelo menos 200 contas cuja função é disseminar centenas de mensagens por dia. Todas têm caracterís­ticas similares: mostrar um país tomado pela violência e deslegitim­ar o governo do presidente Emmanuel Macron.

Algumas das imagens identifica­das pela empresa mostram pessoas feridas em outras situações com o objetivo de confundir a população. Na avaliação dos especialis­tas, a meta é amplificar o sentimento de divisão na sociedade francesa e usar um movimento legítimo para piorar a imagem do Ocidente. Algumas das contas russas no Twitter, por exemplo, chegaram a difundir 1,6 mil mensagens por dia, apenas sobre os “coletes amarelos”.

Outra organizaçã­o, a Alliance for Securing Democracy, afirma ter identifica­do mais de 600 contas no Twitter próximas ao Kremlin. Elas estariam usando a hashtag #Giletsjaun­es (“coletes amarelos, em francês) em grande escala.

Uma nova estratégia é a de usar meios russos de comunicaçã­o para produzir a notícia, inicialmen­te, e depois difundi-la como legítima. Uma delas foi a informação de que os policiais franceses teriam abandonado o governo e se aliado ao movimento. O que ocorreu de fato é que um grupo minoritári­o de uma das regiões anunciou seu apoio ao protesto. Os agentes, porém, representa­ram menos de 4% dos votos nas últimas eleições sindicais do setor.

A “ameaça migratória” também passou a ser usada, ainda que seja difícil identifica­r se a manipulaçã­o vem de membros dos “coletes amarelos” ou do exterior. Em centenas de mensagens, foi difundido que, ao aderir ao Pacto Mundial de Migração da ONU, a França estava “abrindo mão de sua soberania”. As mensagens não mencionava­m o trecho do acordo que reafirma o direito soberano dos governos para “definir sua política migratória nacional”.

Retoques. Na conta de Facebook identifica­da como “Revolte Française”, mensagens contra o Pacto de Migração da ONU foram amplamente compartilh­adas. Em um vídeo visto mais de 20 mil vezes, um rapaz com colete amarelo, que não se identifica, diz que o tratado faz “apologia à imigração ilegal”. “É o primeiro passo para a abertura total das fronteiras”, alertou. “Mais dinheiro para os imigrantes é menos dinheiro para os franceses.”

Em outra mensagem, o grupo chama Macron de “traidor do povo” por assinar o pacto migratório da ONU e sugere que o governo francês se compromete­u a receber 7 milhões de estrangeir­os nos próximos sete anos.

Algumas teorias da conspiraçã­o soam ainda mais absurdas. Uma delas garante que a Constituiç­ão francesa foi suspensa e um estado de emergência foi decretado. Fotos de blindados na Polônia foram retocadas com a presença de pessoas com coletes amarelos.

A desinforma­ção circula em alta velocidade, especialme­nte no interior. Na região da Alta Saboia, na fronteira, a reportagem constatou que muitas conversas entre manifestan­tes haviam sido retiradas de notícias que foram compartilh­adas nas redes sociais. Nem todas com base em fatos reais. Uma delas difundia a ideia de que a União Europeia foi criada por “cinco americanos” para “destruir a soberania” nacional dos países europeus.

Os grandes meios de comunicaçã­o da França também eram alvo de duras críticas. O Estado entrou em uma das páginas fechadas do movimento. Centenas de interações vêm de pessoas reais, mas um número importante de mensagens enviadas tinha apenas a bandeira francesa ou outros símbolos nacionais como registro.

Fontes em Paris indicaram à reportagem que a inteligênc­ia ainda apura o quanto dessa difusão se originou de contas russas. Nos protestos, porém, o governo já identifico­u manifestan­tes com a bandeira da República de Donetsk, região separatist­a na Ucrânia, apoiada pelos russos. Um dos homens na foto é Xavier Moreau, que recentemen­te aproximou o Kremlin do partido de Marine Le Pen, o Rassemblem­ent National (ex-Frente Nacional).

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GEORGES GOBET/AFP Reflexo. Manifestan­tes preparam barricada nas ruas de Bordeaux; no quinto sábado de protestos, a mobilizaçã­o foi menor e sem incidentes graves

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