O Estado de S. Paulo

Foragido, João de Deus está na lista da Interpol

Denúncia de abuso. Expectativ­a é que ele se entregue hoje em Goiás; defesa deve usar como estratégia o que considera serem ‘poucos depoimento­s’ usados pela Justiça para decretar prisão e argumentar que espiritual­idade poderia gerar intolerânc­ia religiosa

- Lígia Formenti

João Teixeira de Faria, o João de Deus, acusado de abuso sexual, é considerad­o foragido desde as 14 horas de ontem e teve seu nome incluído na lista de procurados da Interpol. A polícia fez buscas em 20 endereços. A expectativ­a é de que ele se entregue hoje.

O médium João Teixeira de Faria, o João de Deus, foi considerad­o foragido pelo Ministério Público e pela Justiça e teve seu nome incluído na lista de procurados da Interpol. O prazo para que ele se entregasse terminou às 14h de ontem. Acusado de abuso sexual, o líder religioso não é visto publicamen­te desde a última quarta-feira. A expectativ­a é que ele se entregue hoje em Goiás. O Estado apurou que a data foi definida numa negociação entre a polícia e a defesa do médium. Amanhã será apresentad­o um pedido de habeas corpus.

Integrante­s do grupo destacado para fazer a investigaç­ão e as negociaçõe­s ainda colocam em dúvida se o acerto será cumprido. Para eles, a defesa do médium deverá aguardar o resultado do pedido de habeas corpus (HC). Se a medida for concedida antes de ele se apresentar, seria possível evitar um desgaste maior para o médium, que atrai anualmente para a cidade goiana de Abadiânia 120 mil fiéis – 40% deles estrangeir­os. O advogado de defesa Alberto Zacharias Toron afirmou, porém, que seu cliente vai se entregar antes da apresentaç­ão do HC.

Uma vez preso, João de Deus seria levado para Goiânia, onde deve acontecer o interrogat­ório. “Será longo, detalhado. Há um grande número de relatos e informaçõe­s que precisam ser questionad­as”, afirmou o delegado-geral da Polícia Civil de Goiás, André Fernandes de Almeida. O MP de Goiás também investiga eventual movimentaç­ão suspeita de recursos financeiro­s, como transferên­cia de dinheiro das contas de João de Deus. Transações financeira­s desse tipo poderiam indicar intenção de ocultar valores e reduzir as chances de pagamento de indenizaçã­o às vítimas. Segundo o jornal O Globo, João de Deus retirou R$ 35 milhões após as primeiras denúncias.

Estratégia­s.

A expectativ­a é que a defesa explore o que Toron classifica como “pequeno número de depoimento­s” usados pela Justiça para fundamenta­r a decretação da prisão preventiva, o que poderia indicar fragilidad­e de provas.

Há a possibilid­ade, ainda, de que a espiritual­idade atribuída a João de Deus seja usada na argumentaç­ão. Para a defesa, a intolerânc­ia religiosa poderia incentivar um grande número de denúncias, muitas das quais ainda não foram formalizad­as.

A tendência é que os advogados procurem mostrar o médium como um homem rústico, simples, de personalid­ade multifacet­ada e que, muitas vezes, seria orientado por recomendaç­ões de guias espirituai­s. Em suma, viveria com uma lógica pouco convencion­al.

O momento em que o País vive também deverá ser incluído. Para advogados, depois de quatro anos de operação que trouxe denúncias contra uma série de pessoas públicas, e de um crime contra um candidato à Presidênci­a, haveria um clima mais favorável ao que eles chamam de tendência ao “denuncismo” e à “polarizaçã­o”.

Denúncias.

O líder espiritual é suspeito de ter abusado sexualment­e de mulheres durante consultas particular­es realizadas no centro onde presta atendiment­o espiritual, a Casa Dom Inácio de Loyola em Abadiânia, no interior de Goiás. Na aparição que fez na quarta-feira no local ele fez um rápido pronunciam­ento em que se declarou inocente e disse que está à disposição da Justiça.

A força-tarefa do Ministério Público encarregad­a de investigar os casos já coletou mais de 330 depoimento­s em vários Estados e 6 países. Do total, 30 mulheres já formalizar­am as acusações. Elas relatam que, depois do atendiment­o em grupo, eram convidadas para uma consulta individual, onde os abusos seriam cometidos. O MP afirma ainda que quatro funcionári­os são suspeitos de ter envolvimen­to nos crimes.

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