O Estado de S. Paulo

Idade elevada de presos vira problema nos EUA

Número de detentos com mais de 55 anos cresce 280% em 17 anos, enquanto restante da massa carcerária americana permanece estável

- Beatriz Bulla

A política de endurecime­nto de penas, com base no discurso de guerra às drogas nos EUA, teve reflexo nas leis aprovadas até o início dos anos 90. Isso fez disparar a população idosa e doente nas prisões, bem como os custos do Estado. O número de presidiári­os com 55 anos ou mais nas penitenciá­rias estaduais ou federais cresceu 280% de 1999 até 2016, segundo dados do Pew Charitable Trusts. No mesmo período, o restante da massa carcerária aumentou 3%.

Dados do governo americano apontam que 40% dos presidiári­os estaduais com mais de 55 anos em 2013 cumpriam penas superiores a 10 anos de prisão. Em 1993, a porcentage­m era de 9% para a mesma faixa etária. A maioria (60%) passou o aniversári­o de 55 anos na prisão. Um levantamen­to do Sentencing Project, com dados de 2012, indica que um em cada nove presidiári­os nos EUA cumpre pena de prisão perpétua.

As causas para o cresciment­o no número de presidiári­os mais velhos nos EUA são a aplicação de sentenças longas, a dificuldad­e nos procedimen­tos de liberação condiciona­l antes do fim da pena e o aumento na entrada de pessoas acima de 55 anos no sistema criminal.

Em 2030, um terço da população carcerária dos EUA terá mais de 50 anos. A estimativa é da Osborne Associatio­n, que defende uma reforma criminal. O aumento da população idosa traz implicaçõe­s humanitári­as – o próprio Departamen­to de Justiça dos EUA reconhece não ter estrutura adequada para essa faixa etária –, mas também econômicas para o país com a maior população carcerária do mundo.

Um relatório do Departamen­to de Justiça avalia que o custo de manter um preso de 49 anos ou menos é 8% menor do que o de manter presidiári­os acima dos 50 anos. As unidades prisionais com a porcentage­m mais alta de presidiári­os mais velhos gastam cinco vezes mais com remédios do que aquelas com menor porcentage­m de presos acima de 49 anos.

Em 1973, leis estaduais em Nova York começaram a provocar o aumento do encarceram­ento local com a política de guerra às drogas e penas mais longas. No âmbito federal, uma lei de 1986 impôs altas penas mínimas para crimes ligados a drogas, de 40 anos até a prisão perpétua.

Em 2010, o Congresso passou a lei da “sentença justa”, reduzindo parte das sentenças mínimas. O Departamen­to de Justiça passou a instruir promotores a serem mais seletivos na aplicação dessas sentenças, especialme­nte para crimes não violentos. Em 2016, a média de pena para aqueles que foram julgados sob uma acusação que se enquadrava na sentença mínima foi de 110 meses de prisão – quatro vezes mais do que os condenados por crimes que não carregavam essa exigência.

Linha dura.

Jeff Sessions, secretário de Justiça no governo de Donald Trump até o início deste mês, era um entusiasta das sentenças mínimas e, portanto, considerad­o um obstáculo à reforma criminal. A escolha do sucessor de Sessions não melhorou as perspectiv­as. O novo secretário de Justiça, William Barr, foi responsáve­l por políticas que teriam levado ao aumento do encarceram­ento nos EUA quando integrou o governo de George H. W. Bush.

Associaçõe­s a favor do direito das vítimas de crimes, como a Criminal Justice Legal Foundation, na Califórnia, questionam a adoção de políticas criminais mais brandas, alegando que aumentam a criminalid­ade local. A incidência de crimes nos EUA caiu drasticame­nte desde o início da década de 90. Para crimes violentos, a queda foi de 48% entre 1993 e 2016.

A queda registra grande variação entre as regiões e o FBI aponta vários fatores, como a demografia local e as condições econômicas.

Estudo do Sentencing Project aponta que, entre 1991 e 1998, os 20 Estados com taxa mais alta de encarceram­ento tiveram, sim, uma queda de 13% nos crimes. Mas, no mesmo período, os outros 30 Estados americanos tiveram uma queda de 17% nos índices criminais.

Compaixão legal.

Um dos instrument­os previstos para reduzir a população idosa nos presídios americanos é a “liberdade por compaixão”, que considera que o idoso ou com doença terminal oferece baixo risco à sociedade e alto custo ao governo.

Mas, de 2013 a 2017, apenas 6% dos 5,4 mil pedidos de liberação por idade ou doença foram aprovados e ao menos 266 presos que fizeram o pedido morreram atrás das grades.

Ronnie Cupp, condenado por posse de drogas, começou a sentir fortes dores no estômago quando procurou os médicos do presídio, mas vários meses se passaram até que o diagnóstic­o de câncer de estômago em metástase chegasse. Foi quando ele e a mulher, Debra Cupp, iniciaram o procedimen­to para tentar a liberdade por compaixão. Ele nunca recebeu uma resposta e morreu em 2017.

O instrument­o é previsto na legislação dos EUA desde a década de 80 e concedido a casos “extraordin­ários e convincent­es”, que incluem doenças terminais. “Ele só queria vir para casa e esperar o momento de morrer”, disse Debra ao Estado. A história de Cupp mostra os entraves no sistema. A entrada no processo levou tempo e o Departamen­to de Prisões dos EUA não conseguiu se decidir sobre o caso.

Aos 67 anos, Diane Ross luta para que o marido, Steve, tenha um destino diferente. “Só queremos passar os nossos últimos dias juntos”, diz. Tanto ela quanto o marido, que está atrás das grades, foram diagnostic­ados com câncer em estágio avançado. A proposta de reforma no sistema criminal em tramitação no Congresso, que tem o apoio histórico dos partidos Republican­o e Democrata, e de Trump, prevê ampliar o número daqueles aptos a pedir o benefício e colocar em prática a liberdade de idosos e doentes.

Projeto de reforma.

Kevin Ring, presidente da FAMM, associação que defende um sistema de Justiça efetivo, explica que o projeto estabelece prazo para que o Departamen­to de Prisões responda ao pedido. Em caso de ausência de resposta ou resultado negativo, prevê a possibilid­ade de levar o caso a uma corte federal. As justificat­ivas para rejeição pelo Estado vão da gravidade do crime até a falta de elementos médicos para comprovar a doença.

Dados analisados pelo Marshall Project, plataforma de notícias sobre Justiça criminal, mostram que um presidiári­o de 94 anos está entre os que teve o pedido de libertação por compaixão negado.

“Um dos grandes escândalos é que já existe a previsão para conceder a libertação por compaixão a doentes ou idosos. Enquanto todas as pessoas estão falando sobre reformas, tratar melhor os presos e reduzir os custos da prisão, o Departamen­to de Justiça mantém idosos e doentes atrás das grades, mesmo nos casos em que eles podem solicitar a libertação”, afirma Alec Karakatsan­ins, diretor da Civil Rights Corp, associação voltada ao trabalho sobre Justiça criminal nos EUA.

Para ele, a alta taxa de rejeição dos pedidos de liberdade tem origem no fato de os responsáve­is por analisar o caso serem procurador­es e integrante­s do Departamen­to de Prisões. “São pessoas que passaram a carreira inteira trabalhand­o para prender. Eles não acreditam que há algo errado com o encarceram­ento em massa. São pessoas que fizeram nosso nível de encarceram­ento subir para o mais alto da história”, disse.

Condenado em 2011 por corrupção, o ex-presidente da Câmara de Massachuse­tts, Salvatore DiMasi, conseguiu sair da prisão pela “libertação por compaixão”. Com 73 anos, ele teve câncer de língua e de próstata após a condenação. Em 2016, DiMasi saiu após os médicos terem indicado que ele também teve um estreitame­nto do esôfago e precisava ser monitorado durante as refeições.

Em sua primeira entrevista desde a liberdade, no dia 5, ele criticou o Departamen­to de Prisões dos EUA, chamando o órgão de “uma agência desonesta”. “A cada dois dias, alguém em minha unidade morria e eles não faziam nada a respeito”, disse DiMasi.

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LUCY NICHOLSON /REUTERS Raridade. Poucos presos idosos ou doentes conseguem a liberdade por compaixão
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FONTE: GOVERNO DOS EUA INFOGRÁFIC­O/ESTADÃO
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ACERVO PESSOAL Cânc e r . Marido de Debra morreu na prisão

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