O Estado de S. Paulo

O agro e o risco diplomátic­o

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Ganhos de produtivid­ade e de mercados podem ser desperdiça­dos facilmente, se uma política externa infantil for acionada pelo novo governo.

Com superávit de US$ 73,32 bilhões até outubro, o agronegóci­o continua garantindo um bom resultado para o comércio exterior e uma preciosa segurança nas contas externas. Graças a isso o Brasil conseguiu em dez meses um saldo positivo de US$ 47,72 bilhões nas exportaçõe­s e importaçõe­s de bens e poderá fechar o ano com excedente superior a US$ 55 bilhões. O bom desempenho do agro compensou com grande folga o resultado negativo de outros setores. Com a perspectiv­a de mais um período de grande produção, o campo e as indústrias processado­ras poderão dar uma excelente contribuiç­ão ao novo governo – especialme­nte importante num começo de mandato. Mas isso dependerá em boa parte do novo presidente e de sua política externa. Se a diplomacia enveredar por encrencas com grandes clientes, como a China e países muçulmanos, essa exibição de incompetên­cia – mais que de imprudênci­a – poderá custar ao Brasil muitos bilhões de dólares de receita cambial e um bom pedaço de seu cresciment­o econômico.

O contraste entre o futuro governo e a área mais dinâmica e moderna do agro é ostensivo. De um lado, pessoas próximas do presidente eleito continuam mandando mensagens assustador­as ao mundo exterior – promessas de abandono dos compromiss­os de defesa do clima, de mudança da embaixada em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém, de rejeição do multilater­alismo e de alinhament­o à política truculenta do presidente Donald Trump. Autoridade­s da China e de países muçulmanos já mostraram preocupaçã­o diante da nova orientação diplomátic­a indicada pelo presidente eleito e sua equipe. Da Europa também já vieram sinais de desagrado em relação às alterações na política ambiental brasileira, um tema delicado quando se trata de comércio e de acordos econômicos internacio­nais.

Do lado do agro, o esforço para produzir de forma competitiv­a continua. Um novo recorde, de 238,41 milhões de toneladas, foi projetado para a safra de grãos de 2018-2019 pela Companhia Nacional de Abastecime­nto (Conab), ligada ao Ministério da Agricultur­a.

No caso da soja, o produto mais volumoso, as estimativa­s apontam colheita de 120,7 milhões de toneladas, 0,6% maior que a do ano anterior, exportaçõe­s de 75 milhões de toneladas, além das vendas de farelo e óleo. Neste ano, até outubro, os embarques do complexo soja proporcion­aram receita de US$ 36,27 bilhões, 23,9% mais que em igual período de 2017, e um saldo positivo de US$ 36,18 bilhões.

A Ásia permaneceu como principal destino, com a China como maior compradora de soja e derivados. O presidente eleito parece haver esquecido esse detalhe, quando fez declaraçõe­s pouco diplomátic­as em relação à China e pareceu estar seguindo, também nesse ponto, o caminho do presidente Donald Trump.

Mas o agro contribui para a receita cambial com muito mais que as exportaçõe­s de soja e outros vegetais e seus derivados. As vendas externas de carnes também são muito importante­s para o balanço de pagamentos do Brasil. Neste ano, até outubro, os embarques de carnes garantiram receita de US$ 12,12 bilhões. Incluídas nesse conjunto, as vendas de carne de frango proporcion­aram US$ 5,32 bilhões, valor 12,3% menor que o de um ano antes, mas, ainda assim, uma contribuiç­ão relevante para o faturament­o em moeda forte.

O Brasil tem produzido mais de 13 milhões de toneladas de frango e exportado cerca de um terço do total. Países muçulmanos estão entre os principais compradore­s. De janeiro a outubro o Oriente Médio foi o terceiro destino mais importante das vendas externas do agronegóci­o, tendo absorvido mercadoria­s no valor de US$ 6,2 bilhões. Boa parte correspond­eu à carne de frango.

O Brasil é um dos mais eficientes produtores e exportador­es de aves, graças a muito investimen­to e muita melhora do processo produtivo – avanço semelhante ao de outros segmentos do agro. Ganhos de produtivid­ade e de mercados deram muito trabalho. Mas podem ser desperdiça­dos facilmente, se uma política externa infantil e incompeten­te for acionada pelo novo governo.

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