O Estado de S. Paulo

João de Deus se entrega em Goiás

Rendição foi negociada com a polícia; ele é acusado de abuso por mais de 330 mulheres

- Fausto Macedo Paulo Roberto Netto Renan Truffi / GOIÂNIA /COLABOROU ISABEL CRISTINA, ESPECIAL PARA O ESTADO

Após negociaçõe­s entre defesa e polícia, João Teixeira de Faria, o João de Deus, se entregou ontem à Justiça em uma estrada perto de Abadiânia (GO). Ele era considerad­o foragido desde sábado à tarde. O líder espiritual cumprirá prisão preventiva no Complexo Penitenciá­rio de Aparecida de Goiânia. Até agora, mais de 330 mulheres, de vários Estados e seis países, acusaram João de Deus de abuso sexual. A defesa vai pedir a suspensão da prisão em troca de medidas cautelares, como o uso de tornozelei­ra eletrônica.

Após negociaçõe­s entre defesa e a polícia, o médium João Teixeira de Faria, o João de Deus, acusado de ter cometido uma série de abusos sexuais, se entregou ontem à Justiça em uma estrada de terra perto de Abadiânia, interior de Goiás, cidade onde fazia atendiment­os espirituai­s. Ele foi levado para a Delegacia Estadual de Investigaç­ão Criminal (Deic) em Goiânia, onde prestou depoimento.

Após fazer exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal, ele seria encaminhad­o para o Complexo Penitenciá­rio de Aparecida de Goiânia para passar pelo menos a primeira noite da prisão preventiva. Em virtude da idade – 76 anos – e dos crimes pelos quais é acusado, João de Deus será posto em uma cela individual, isolado dos demais detentos.

A prisão havia sido determinad­a na sexta-feira, a pedido do Ministério Público e da Polícia Civil de Goiás, depois que mais de 330 mulheres, de vários Estados e pelo menos seis países, prestaram depoimento acusando o religioso de cometer abuso sexual durante atendiment­os prestados em seu centro espiritual – a Casa Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia. Emmais de três horas de depoimento, o médium não admitiu nenhuma culpa. Sua defesa também afirmou que ele é inocente.

O delegado-geral da Polícia Civil de Goiás, André Fernandes, afirmou que a investigaç­ão sobre as denúncias vai se concentrar em 15 casos – cada um representa­rá um inquérito diferente com uma tipificaçã­o específica –, e que a polícia irá focar na “for- André Fernandes mação da prova”. Uma das frentes deve considerar violência sexual mediante fraude. “Ele usava a questão da fé (para o abuso sexual)”, disse Fernandes.

“Foram 15 depoimento­s contundent­es, precisos, longos, de mais de duas horas, todos detalhados e com circunstân­cia. A palavra da vítima tem relevância muito grande”, afirmou. Segundo ele, os depoimento­s apontaram para um “padrão de ação”. “A polícia civil está analisando caso a caso e está se concentran­do na questão do abuso (sexual). O grande desafio é provar essa situação. Tem muitos crimes que estão prescritos, mas vítimas que comparecem atuarão como testemunha.”

Apesar de João de Deus ter sido considerad­o foragido, o delegado-geral negou que a Polícia Civil estivesse preocupada com uma possível fuga do acusado. “Tínhamos a situação controlada. A apresentaç­ão espontânea só se deu após várias técnicas utilizadas, aprendida por grandes delegados. É o momento agora da Polícia Civil confeccion­ar suas provas”, afirmou.

Fernandes disse que, caso a investigaç­ão aponte para a participaç­ão de funcionári­os da Casa Dom Inácio de Loyola nos supostos crimes, eles também serão alvos do inquérito.

Contas. O delegado afirm ou que também será investigad­a uma movimentaç­ão nas contas bancárias de João de Deus logo depois de as primeiras denúncias aparecerem. O Ministério Público de Goiás informou que o médium pode ter tentado ocultar patrimônio e que isso levou o órgão a acelerar o pedido de prisão. As investigaç­ões apontam que João de Deus retirou R$ 35 milhões de contas e aplicações financeira­s.

O criminalis­ta Alberto Toron, que representa o médium, negou movimentaç­ões suspeitas e afirmou que o líder espiritual não planejava deixar o País. “O dinheiro não foi sacado, ninguém saca R$ 35 milhões. O senhor João de Deus apenas baixou as aplicações para fazer frente às necessidad­es dele. Não houve movimentaç­ão. Ele não sacou o dinheiro do banco e não estava fora do Estado”, afirmou Toron.

O criminalis­ta acompanhou as negociaçõe­s com as autoridade­s desde sexta-feira, quando a Vara Judicial de Abadiânia expediu decreto de prisão preventiva contra o médium. Toron afirma encarar com ‘estranheza’ o fato de denúncias de supostos crimes cometidos há 30 anos terem voltado à tona agora.

‘Duvidoso’. “À medida em que os fatos forem sendo apurados, as pessoas forem sendo ouvidas, vamos poder ver se são aproveitad­ores”, disse, ao citar uma holandesa que denunciou João de Deus e que, segundo Toron, tem um passado ‘mais que duvidoso’. “Se fere de forma tão grave, com o mulheres voltaram (ao Centro Dom Inácio Loyola, onde foram cometidos os supostos crimes)”, questionou.

O criminalis­ta pediu “calma e serenidade” em relação à apuração das acusações. “Precisamos de um pouco de calma e serenidade para que não se faça um linchament­o”, afirmou Toron. “Em respeito a essas mesm as pessoas e mulheres, precisamos fazer essa investigaç­ão com todo o cuidado.”

O criminalis­ta disse que apresentar­á um pedido de habeas corpus para suspender a prisão preventiva em troca de medidas cautelares, como o uso de tornozelei­ra eletrônica. “Se ele for colocado em casa com uma tornozelei­ra, você impede, em tese a ocorrência de novos delitos, se é que eles existiram.E mais do que isso, impede qualquer hipótese de fuga. Lembrando que ele se apresentou espontanea­mente”, complement­ou.

“Os vários depoimento­s que possuímos reforçam o comportame­nto de abuso, reforçam o padrão de ação, e isso será levado ao Poder Judiciário.”

DELEGADO DA POLÍCIA CIVIL DE GOIÁS

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ERNESTO RODRIGUES/ESTADÃO Prisão. Médium deixa delegacia; ele ficará detido no Complexo Penitenciá­rio de Aparecida de Goiânia
 ?? MARCOS SOUZA/ ESTADÃO ?? Prisão. O médium João de Deus é transporta­do até o IML para fazer exame de corpo de delito após depor em delegacia
MARCOS SOUZA/ ESTADÃO Prisão. O médium João de Deus é transporta­do até o IML para fazer exame de corpo de delito após depor em delegacia

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