João de Deus se entrega em Goiás
Rendição foi negociada com a polícia; ele é acusado de abuso por mais de 330 mulheres
Após negociações entre defesa e polícia, João Teixeira de Faria, o João de Deus, se entregou ontem à Justiça em uma estrada perto de Abadiânia (GO). Ele era considerado foragido desde sábado à tarde. O líder espiritual cumprirá prisão preventiva no Complexo Penitenciário de Aparecida de Goiânia. Até agora, mais de 330 mulheres, de vários Estados e seis países, acusaram João de Deus de abuso sexual. A defesa vai pedir a suspensão da prisão em troca de medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica.
Após negociações entre defesa e a polícia, o médium João Teixeira de Faria, o João de Deus, acusado de ter cometido uma série de abusos sexuais, se entregou ontem à Justiça em uma estrada de terra perto de Abadiânia, interior de Goiás, cidade onde fazia atendimentos espirituais. Ele foi levado para a Delegacia Estadual de Investigação Criminal (Deic) em Goiânia, onde prestou depoimento.
Após fazer exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal, ele seria encaminhado para o Complexo Penitenciário de Aparecida de Goiânia para passar pelo menos a primeira noite da prisão preventiva. Em virtude da idade – 76 anos – e dos crimes pelos quais é acusado, João de Deus será posto em uma cela individual, isolado dos demais detentos.
A prisão havia sido determinada na sexta-feira, a pedido do Ministério Público e da Polícia Civil de Goiás, depois que mais de 330 mulheres, de vários Estados e pelo menos seis países, prestaram depoimento acusando o religioso de cometer abuso sexual durante atendimentos prestados em seu centro espiritual – a Casa Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia. Emmais de três horas de depoimento, o médium não admitiu nenhuma culpa. Sua defesa também afirmou que ele é inocente.
O delegado-geral da Polícia Civil de Goiás, André Fernandes, afirmou que a investigação sobre as denúncias vai se concentrar em 15 casos – cada um representará um inquérito diferente com uma tipificação específica –, e que a polícia irá focar na “for- André Fernandes mação da prova”. Uma das frentes deve considerar violência sexual mediante fraude. “Ele usava a questão da fé (para o abuso sexual)”, disse Fernandes.
“Foram 15 depoimentos contundentes, precisos, longos, de mais de duas horas, todos detalhados e com circunstância. A palavra da vítima tem relevância muito grande”, afirmou. Segundo ele, os depoimentos apontaram para um “padrão de ação”. “A polícia civil está analisando caso a caso e está se concentrando na questão do abuso (sexual). O grande desafio é provar essa situação. Tem muitos crimes que estão prescritos, mas vítimas que comparecem atuarão como testemunha.”
Apesar de João de Deus ter sido considerado foragido, o delegado-geral negou que a Polícia Civil estivesse preocupada com uma possível fuga do acusado. “Tínhamos a situação controlada. A apresentação espontânea só se deu após várias técnicas utilizadas, aprendida por grandes delegados. É o momento agora da Polícia Civil confeccionar suas provas”, afirmou.
Fernandes disse que, caso a investigação aponte para a participação de funcionários da Casa Dom Inácio de Loyola nos supostos crimes, eles também serão alvos do inquérito.
Contas. O delegado afirm ou que também será investigada uma movimentação nas contas bancárias de João de Deus logo depois de as primeiras denúncias aparecerem. O Ministério Público de Goiás informou que o médium pode ter tentado ocultar patrimônio e que isso levou o órgão a acelerar o pedido de prisão. As investigações apontam que João de Deus retirou R$ 35 milhões de contas e aplicações financeiras.
O criminalista Alberto Toron, que representa o médium, negou movimentações suspeitas e afirmou que o líder espiritual não planejava deixar o País. “O dinheiro não foi sacado, ninguém saca R$ 35 milhões. O senhor João de Deus apenas baixou as aplicações para fazer frente às necessidades dele. Não houve movimentação. Ele não sacou o dinheiro do banco e não estava fora do Estado”, afirmou Toron.
O criminalista acompanhou as negociações com as autoridades desde sexta-feira, quando a Vara Judicial de Abadiânia expediu decreto de prisão preventiva contra o médium. Toron afirma encarar com ‘estranheza’ o fato de denúncias de supostos crimes cometidos há 30 anos terem voltado à tona agora.
‘Duvidoso’. “À medida em que os fatos forem sendo apurados, as pessoas forem sendo ouvidas, vamos poder ver se são aproveitadores”, disse, ao citar uma holandesa que denunciou João de Deus e que, segundo Toron, tem um passado ‘mais que duvidoso’. “Se fere de forma tão grave, com o mulheres voltaram (ao Centro Dom Inácio Loyola, onde foram cometidos os supostos crimes)”, questionou.
O criminalista pediu “calma e serenidade” em relação à apuração das acusações. “Precisamos de um pouco de calma e serenidade para que não se faça um linchamento”, afirmou Toron. “Em respeito a essas mesm as pessoas e mulheres, precisamos fazer essa investigação com todo o cuidado.”
O criminalista disse que apresentará um pedido de habeas corpus para suspender a prisão preventiva em troca de medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica. “Se ele for colocado em casa com uma tornozeleira, você impede, em tese a ocorrência de novos delitos, se é que eles existiram.E mais do que isso, impede qualquer hipótese de fuga. Lembrando que ele se apresentou espontaneamente”, complementou.
“Os vários depoimentos que possuímos reforçam o comportamento de abuso, reforçam o padrão de ação, e isso será levado ao Poder Judiciário.”
DELEGADO DA POLÍCIA CIVIL DE GOIÁS