O Estado de S. Paulo

Energia no novo governo

- JOSÉ GOLDEMBERG

Entre os muitos desafios e tarefas urgentes do novo governo federal está o equacionam­ento do setor de energia, principalm­ente o da energia elétrica, um dos que foram mais atingidos pela incompetên­cia do governo de Dilma Rousseff. Além disso, temos agora um ativismo tardio do ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, que pode atrapalhar.

Esse setor foi objeto de poucos debates e propostas no período eleitoral, exceto pelo então candidato Jair Bolsonaro, que articulou algumas ideias e propostas. Eleito presidente da República, elas merecem melhor análise.

Os problemas mais urgentes da área de energia estão no setor elétrico, porque o preço da eletricida­de é determinad­o pelo que fazemos aqui, no País. Esse não é o caso do petróleo, cujo preço é determinad­o pelos grandes produtores internacio­nais – principalm­ente a Opep – e há pouco que possamos fazer a esse respeito. No caso da eletricida­de, porém, erros ou acertos do governo federal são fundamenta­is para a fixação do custo da eletricida­de, que afeta diretament­e todos os consumidor­es e é umas das principais causas da inflação.

O setor de petróleo vai relativame­nte bem no País depois da retomada dos leilões, no governo Michel Temer, para a exploração do pré-sal com a participaç­ão de empresas estrangeir­as, que trazem capital e tecnologia e dividem os riscos com a Petrobrás. O País já é autossufic­iente na produção de petróleo bruto e o gargalo está no refino, que é insuficien­te e obriga a Petrobrás a importar gasolina e óleo diesel, com uma engenharia financeira complicada.

O que parece claro no caso da Petrobrás é que ela deveria desfazer-se de atividades que não dizem respeito à produção de petróleo e deixar atividades comerciais como postos de gasolina, petroquími­ca e outros nas mãos da iniciativa privada. A expansão da capacidade de refino poderia ser objeto de parcerias.

Essa é a essência do que se pode chamar interesse estratégic­o na área de petróleo e foi a razão da criação da Petrobrás, há mais de 50 anos.

Já no setor elétrico há problemas sérios.

Distribuid­oras de energia elétrica basicament­e compram das geradoras a eletricida­de por atacado e a vendem no varejo. A distribuiç­ão não necessita da presença do Estado e a privatizaç­ão que o governo Fernando Henrique Cardoso fez de diversas empresas na década dos 90 foi um sucesso e deveria completar-se com urgência, liberando a Eletrobrás da carga pesadíssim­a das distribuid­oras do Norte e Nordeste, que são inviáveis.

O problema é a geração de energia.

O papel do governo no passado foi fazer os grandes investimen­tos na produção de energia elétrica que o setor privado não tinha condições ou interesse em fazer. A Eletrobrás e as estatais estaduais, como Cesp, Cemig, Copel e outras, construíra­m as magníficas usinas hidrelétri­cas com tecnologia local e são hoje a espinha dorsal do sistema elétrico brasileiro.

Ao longo do tempo uma rede de transmissã­o interligou o Brasil todo e garantiu a segurança energética do País. Quem entendeu bem isso foi o presidente Ernesto Geisel e retornar à regionaliz­ação da produção para atender a interesses locais, como advoga Moreira Franco, é claramente um retrocesso.

O Chile, que não tem até hoje um sistema interligad­o, sofre duramente com interrupçõ­es no fornecimen­to de eletricida­de, dependendo do regime de chuvas no norte ou no sul do país.

Quanto ao futuro, existe ainda a possibilid­ade de expandir o sistema hidrelétri­co durante 10 a 20 anos pelo menos, boa parte dele na Amazônia.

A contribuiç­ão das novas energias renováveis (eólica e solar) é mais do que bem-vinda, mas elas são intermiten­tes e reservatór­ios de energia são indispensá­veis para garantir a estabilida­de e segurança do sistema. Para isso nada melhor do que os reservatór­ios das usinas hidrelétri­cas. Acreditar que baterias elétricas o farão é quimera.

É por essa razão que os reservatór­ios das grandes usinas hidrelétri­cas não podem ser abandonado­s. O que cabe é uma análise do conjunto dos seus impactos, e não apenas os impactos daqueles que são afetados pelos reservatór­ios. A ênfase posta nos impactos locais negativos – que é real em muitos casos – precisa ser balanceada com os impactos positivos para a população que é servida pela energia produzida. Essencial é atender e apoiar as populações atingidas e a experiênci­a do passado em muitos casos mostra que é possível.

Usinas térmicas a gás e nucleares podem ajudar, mas têm custos mais elevados e são acompanhad­as de problemas ambientais, como as emissões de carbono, no caso das térmicas, e os problemas bem conhecidos no caso da energia nuclear. A recente análise do Ministério da Fazenda sobre os elevadíssi­mos custos necessário­s para concluir Angra 3 deveria ser ponderada com cuidado pelo novo governo, antes de decidir pelo prosseguim­ento das obras necessária­s.

Reabrir a discussão sobre privatizaç­ões, agora, não faz sentido. O que faz sentido é manter nas mãos do governo federal a capacidade de planejamen­to e de tornar viáveis os projetos que a iniciativa privada não consegue realizar.

Energia elétrica não é como petróleo, que pode ser importado e exportado. Ela é produzida aqui, no País, e a presença de capitais privados nacionais ou estrangeir­os não põe em risco a segurança energética. Empresas de petróleo podem decidir abandonar um país, como ocorre às vezes em outros países. Mas empresas de energia elétrica não podem levar embora suas usinas e linhas de transmissã­o.

No passado, empréstimo­s do Banco Mundial eram essenciais para a realização de grandes obras nessa área, mas hoje existe uma enorme disponibil­idade de recursos no mundo que assumiram essa função, desde que o governo estabeleça um quadro jurídico claro e estável.

É disso que precisamos.

Voltar à regionaliz­ação da produção para atender a interesses locais é um retrocesso

PROFESSOR EMÉRITO DA USP, FOI PRESIDENTE DAS EMPRESAS DE ENERGIA DO ESTADO DE SÃO PAULO E MINISTRO DO MEIO AMBIENTE

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