De volta ao personalismo, China lembra 40 anos de reforma
Xi dá marcha à ré em caminhos que pareciam não ter volta, com uma visão que dá peso cada vez maior ao Estado no crescimento
Em dezembro de 1978, Deng Xiaoping iniciou a revolução que transformaria a China na segunda maior economia e na maior potência comercial do mundo, no mais rápido processo de desenvolvimento da história. Quatro décadas depois, Xi Jinping deu marcha à ré em caminhos que pareciam não ter volta, com uma visão que dá peso cada vez maior ao Estado no crescimento e reinsere o Partido Comunista em todos os setores da sociedade chinesa.
Xi resgatou o culto à personalidade execrado por Deng, acabou com limites à sua permanência no poder e ignorou o preceito do antigo líder que guiava a política externa da China: “esconder nossa capacidade e esperar o momento oportuno”. Xi parece convencido de que o momento chegou. Nenhum outro dirigente chinês vinculou tanto sua legitimidade à projeção de poder e influência além das fronteiras.
Alguns integrantes da elite chinesa o responsabilizam pela guerra comercial com os EUA, motivada em parte pelos subsídios às gigantescas estatais, à precária proteção da propriedade intelectual e ao anúncio de que a China pretende dominar as tecnologias que moverão a economia do futuro com forte decisivo do Estado. Com a retração dos EUA do tabuleiro internacional promovida por Donald Trump, Xi também se candidatou ao cargo de líder global.
Para Deng, a relação com os EUA era crucial para promover o desenvolvimento, em razão do acesso à tecnologia, experiência e capital que ela propiciaria. Os dois países anunciaram o estabelecimento de laços diplomáticos no dia 15 de dezembro de 1978, três dias antes da abertura do encontro que marcaria o início das reformas – a Terceira Sessão Plenária do 11.º Comitê Central do Partido Comunista da China. Quarenta anos mais tarde, Xi corre o risco de ser o líder chinês que presidirá sobre o rompimento da mais importante relação bilateral do século 21.
Em 1980, a China concedeu a primeira licença de operação a uma empresa privada. Hoje, o setor responde por 60% do PIB e 80% dos empregos do país, mas recebe apenas 25% do crédito corporativo, cuja maior parte é destinada às estatais.
Sob Xi, as firmas privadas foram obrigadas a fortalecer as células internas do Partido Comunista e a considerar com mais atenção as prioridades de Pequim. Há um ano, o governo anunciou que estatais passarão a adquirir participação em algumas delas, principalmente nos setores de tecnologia, internet e semicondutores. Os bilionários chineses também estão na mira da campanha anticorrupção de Xi, na qual a linha que separa a punição de crimes de outras motivações nem sempre é clara.
Em um país sem Judiciário independente nem Estado de direito, a transparência desses processos é mínima. De acordo com o jornal Economic Information Daily, pelo menos 11 presidentes de grandes companhias listadas em Bolsa desapareceram por diferentes períodos nos últimos três anos, antes de serem condenados por supostos atos ilegais.
A apreensão entre empresários era tanta que Xi convocou uma reunião com alguns deles no mês passado para tranquilizá-los. Depois de prometer medidas para ampliar o acesso ao crédito, ele sugeriu que todos que se acalmassem.
Com a economia desacelerando em meio a uma precária trégua na guerra comercial com os EUA, Pequim precisa do dinamismo do setor privado para manter a expansão do PIB, que é a principal fonte de legitimidade do Partido Comunista. Os dois fatores podem levar Xi a anunciar um novo impulso às reformas esta semana, quando a reunião econômica anual dos líderes chineses coincidirá com a comemoração dos 40 anos do início da transformação promovida por Deng. A dúvida é se elas irão longe o bastante para aplacar Trump e aumentar a eficiência do crescimento da segunda maior economia do mundo.