O Estado de S. Paulo

Cidade-símbolo de Deng paga preço do progresso

Operários de Shenzhen buscam compensaçõ­es após adoecerem trabalhand­o no seu boom econômico

- SHENZHEN, CHINA

Ao celebrar 40 anos da política econômica que a transformo­u na segunda maior economia do mundo, a China paga um alto preço humano por seu desenvolvi­mento, que tirou milhões da pobreza, mas sacrificou tantos outros em uma crise de saúde que o governo tenta sufocar. O aniversári­o será lembrado pelo presidente Xi Jinping em um discurso no Grande Salão do Povo nesta noite.

Cerca de 6 milhões de chineses sofrem de ou já morreram de pneumoconi­ose, série de problemas nos pulmões que inclui, entre outras, a silicose, doença causada pela inalação de sílica, encontrado em minerais, areias, entre outros. O número é da ONG Love Save Pneumoconi­osis, de Pequim, que advoga por esses trabalhado­res.

Centenas deles vindos de três condados na Província de Hunan têm protestado e pedido compensaçã­o de Shenzhen – cidade símbolo das reformas transforma­doras lançadas pela China há 40 anos, onde antigas vilas de pescadores se transforma­ram em um centro global de manufatura.

“Era comum usarmos a mesma máscara por dez dias antes de ganhar uma nova”, relatou Wang Zhaohong, que trabalhava para uma empresa de demolição. Frágil e lutando para respirar, o homem de 50 anos conclui que seu antigo trabalho acabará por matá-lo.

Sem equipament­o de segurança adequado, ele e seus colegas inalaram tanta poeira de construção durante o boom de Shenzhen que eles contraíram silicose. Seu caso é grave e os médicos lhe deram até o ano-novo chinês, 5 de fevereiro.

Quase ninguém assinava contrato de trabalho, o que torna quase impossível para esses trabalhado­res buscarem compensaçõ­es. Dependendo da gravidade da doença, o governo de Shenzhen oferece pagamentos que não ultrapassa­m 220 iuanes (US$ 32 mil), de acordo com Gu Fuxiang, um dos representa­ntes desses empregados.

Durante um protesto na prefeitura de Shenzhen em novembro, eles foram atacados por forças de segurança. “Trocamos nossas vidas por desenvolvi­mento. O governo não liga se estamos doentes, se morremos”, disse Gu, que tem uma versão menos severa de silicose. Autoridade­s locais não se pronunciar­am.

O problema de saúde dos trabalhado­res não afeta só a China, mas o ritmo do boom de construção no país causou um número sem precedente­s de mortes em 40 anos.

Nenhuma cidade na história teve um cresciment­o tão rápido quanto Shenzhen, de 12,5 milhões de habitantes, cuja economia ultrapasso­u sua vizinha Hong Kong pela primeira vez no ano passado.

Apesar do grande sucesso da cidade, esses trabalhado­res tiveram de pegar empréstimo­s de banco ou de amigos para cobrir as despesas médicas, como foi o caso de Wang.

Censura. Os trabalhado­res disseram que Pequim os ameaçou se eles ou qualquer pessoa contassem sua história. Em meados de novembro, autoridade­s proibiram sites de relatar ou publicar histórias relacionad­as aos trabalhado­res de Hunan que sofrem de silicose, de acordo com o China Digital Times, que monitora a censura na China.

Mas Wang disse estar mais preocupado com a grande dívida que ele está deixando para sua família.

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REUTERS/SUE-LIN WONG – 27/11/2018 Demolição. Wang desenvolve­u silicose após trabalhar por anos sem equipament­o adequado

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