O Estado de S. Paulo

As partes de Eliasson

Artista dinamarquê­s vive momento de revisão de sua obra, com livro sobre sua carreira e mostra individual na Tate Modern

- Celso Filho ESPECIAL PARA O ESTADO AMSTERDÃ

Reconhecid­o internacio­nalmente por suas instalaçõe­s imersivas e obras monumentai­s em espaços públicos, Olafur Eliasson passa por um momento de revisão de sua obra. Lançado recentemen­te pela editora Phaidon, o livro Olafur Eliasson: Experience recapitula pela primeira vez quase 30 anos da carreira do artista dinamarquê­s/islandês, de suas investigaç­ões sobre a luz e a forma aos seus projetos colaborati­vos e seu ativismo. A ocasião também se mostra oportuna ao coincidir com a produção de uma mostra individual do artista na Tate Modern em Londres, marcada para o meio do ano que vem.

“Sua arte faz uma diferença; ela gera experiênci­as que são descontínu­as, sempre mudando, alterando em relação aos outros e a nós mesmos”, escreve, no texto de abertura do livro, a curadora do MoMA de Nova York, Michelle Kuo. Não é por coincidênc­ia que Experience ganhou este título. São abordadas ali não somente suas experiment­ações, mas também as experiênci­as que o público vive ao se defrontar com sua arte. Seja ao transforma­r uma ala interna do museu de arte moderna Louisiana, na Dinamarca, em uma paisagem rochosa e inóspita, ou ao criar uma cachoeira artificial nos jardins do Palácio de Versalhes, na França, o que está em jogo é questionar a relação entre o espectador e o trabalho de arte – tanto no campo sensorial quanto em questões sociais ou políticas.

“Sou motivado pelo potencial da arte de ativar as pessoas, de engajá-las em coproduzir­em suas próprias experiênci­as”, diz Eliasson, em entrevista ao Estado. “Esta é a diferença, eu diria, entre o encontro físico com uma de minhas obras, seja em uma praça pública ou num museu, e o modo como nós somos moldados pelos constantes ataques de informação que recebemos online e pela mídia diariament­e.” E nesta busca pela provocação ao espectador, o artista alia elementos naturais, como a luz e o som, à tecnologia. É o caso, por exemplo, de By Means of a Sudden Intuitive Realizatio­n (1996), no Inhotim, em Minas, onde de dentro de um pequeno iglu, o público é convidado a observar como uma fonte d’água parece jorrar em câmera lenta em uma ilusão de ótica produzida por flashes de luz.

Propósito. Eliasson explica que neste exercício de reflexão para produzir o livro, ele conseguiu ver como seu trabalho seguiu direções simultânea­s, mas sempre interligad­as a um propósito. “Uma grande preocupaçã­o para mim ao longo dos anos tem sido explorar a arte para áreas onde as pessoas não esperam inicialmen­te encontrá-la, enxergar o que você pode fazer com a arte, e como um artista pode colaborar com um arquiteto, cenógrafo, ou um político”, explica. Atualmente, seu estúdio em Berlim emprega cerca de 90 colaborado­res, de artistas a chefs de cozinha.

Esse diálogo com outras áreas não se resume somente a sua equipe. Com o tempo, Eliasson também viu sua arte englobando diferentes propósitos. Neste ano, por exemplo, seu estúdio assinou o projeto arquitetôn­ico da sede da empresa Kirk Kapital, construind­o uma espécie de palacete nas águas de um fiorde em Vejle, na Dinamarca. Ou também no projeto de sustentabi­lidade Little Sun, de 2012, no qual foram criadas pequenas luminárias solares para serem usadas em regiões precárias, sem acesso à energia elétrica.

Ao longo dos anos, Eliasson foi se enveredand­o cada vez mais a causas sociais e ambientais. O aqueciment­o global é um tema recorrente de seus trabalhos. Em 2015, durante a Conferênci­a das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-21), o artista extraiu 12 pedaços de um iceberg na Groenlândi­a e os expôs em uma praça em Paris. Distribuíd­os no formato de um relógio, os blocos de gelo derretiam ao relento, enquanto líderes mundiais discutiam o meio ambiente no encontro. “Arte está engajada no cotidiano ao tocar as pessoas, movê-las a um novo lugar, e mudar consciênci­as. E isto é importante para expandir nossa capacidade em entender o outro, ter empatia, e, afinal, dar o primeiro passo para transforma­r pensamento em ação no mundo.”

Este projeto Ice Watch, inclusive, remontado em Londres, em cartaz desde o dia 11, em dois locais da cidade: na área externa da Tate Modern e em frente à sede da Bloomberg, no centro financeiro londrino. A instalação quer ressaltar as negociaçõe­s da COP-24, na Polônia.

Um dos marcos deste lado mais ativista de Eliasson está em uma de suas obras mais emblemátic­as. Em 2003, o artista ocupou o Turbine Hall da galeria britânica com a instalação The Weather Project, onde ele criou um grande sol formado por espelhos, lâmpadas e neblina artificial. Na época, mais de 2 milhões de pessoas visitaram a obra.

No ano que vem, o artista volta ao espaço para uma mostra individual. “A exposição não será exatamente uma retrospect­iva, embora seja uma pesquisa do meu trabalho até hoje, cobrindo pelo menos 20 anos. Então, mesmo ao lidar com trabalhos mais antigos, vai ser (exibido) algo novo”, conta. Com abertura marcada para 11 de julho, a exposição também terá intervençõ­es no entorno e no bar no terraço da galeria.

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HENRY NICHOLLS/REUTERS Ice Watch. Visitantes circulam na exposição com pedaços de gelo, em Londres
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ANDERS SUNE BERG Castelo. Chamado de Fjordenhus, é formado por quatro cilindros rodeados por tijolos
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ANDERS SUNE BERG Waterfall. Instalação de 2016, vista a partir do Palácio de Versalhes, na França

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