O Estado de S. Paulo

‘Arte é onde o impossível pode se tornar possível’

Ativista e provocador, ele fala de suas memórias do Brasil e de como praticar arte tem sido cada vez mais importante

- ARTISTA ISLANDÊS-DINAMARQUÊ­S / C.F.

Há algumas semanas, você postou nas redes sociais um alerta sobre o futuro da Amazônia com as eleições no Brasil. Como você vê o novo momento político no País?

Ao redor do mundo, infelizmen­te estamos vendo os países se voltarem para dentro, em vez de buscar soluções internacio­nais. Este não é apenas o caso do Brasil ou dos EUA, mas também é tendência na Dinamarca, onde eu vivo. Muitas pessoas com razão veem a crescente desigualda­de e corrupção como os principais obstáculos para resolver os problemas no mundo, mas como o ganhador do Nobel Joseph Stiglitz apontou, isso também nos torna suscetívei­s às promessas falsas e soluções fáceis de demagogos. Infelizmen­te, a realidade das mudanças climáticas é que o que acontece em uma região afeta o resto do globo. A questão do meio ambiente não acaba nas fronteiras nacionais. Com 60% da floresta amazônica no País, os movimentos de conservaçã­o no Brasil são essenciais para proteger o balanço das emissões de carbono em todo o mundo. Nos EUA, após a eleição de Trump e sua decisão de se retirar do Acordo de Paris, várias lideranças empresaria­is, incluindo Michael Bloomberg, e muitos dos prefeitos de suas maiores cidades, reafirmara­m seu compromiss­o de combater as mudanças climáticas, o que significa, em nível local, que pelo menos ainda há um esforço consideráv­el nos EUA de se atingir os objetivos de Paris. Minha esperança é que empresas e indivíduos no Brasil também continuem assumindo este compromiss­o com a conservaçã­o e a ecologia, apesar da falta de apoio do novo presidente.

Já faz alguns anos desde sua mostra individual pelo Festival Sesc Videobrasi­l. Você planeja voltar a exibir no Brasil?

A mostra Seu Corpo da Obra foi muito especial para mim, não somente porque ocupou três espaços de São Paulo (Sesc Pompeia, Pinacoteca e Sesc Belenzinho), mas também se estendeu por toda a cidade – com intervençõ­es como Your New Bike (2009), na qual deixamos bicicletas com espelhos redondos ao invés de rodas amarradas pela cidade. Na verdade, eu tive muita sorte de poder trabalhar no Brasil, e em São Paulo especialme­nte, em outros momentos, realizando trabalhos que foram muito importante­s para meu desenvolvi­mento artístico – notavelmen­te The very large ice floor, em 1988, na 24ª Bienal de São Paulo, onde eu gostei bastante de assistir aos visitantes deslizando sobre o piso congelado no pavilhão de Oscar Niemeyer. Então, em suma, eu adoraria exibir no País de novo em breve.

Durante essas viagens ao Brasil, quais foram suas impressões do País e da arte brasileira? Por exemplo, algumas de suas investigaç­ões me lembram as experiment­ações brasileira­s dos anos 1960, como de Hélio Oiticica e Lygia Clark. Lygia Clark e Hélio Oiticica são grandes fontes de inspiração para mim e para outros artistas. As práticas artísticas deles não são relevantes somente no contexto brasileiro, mas também em uma discussão internacio­nal maior sobre a arte. Algo que também me impression­ou no Brasil é a tradição do Sesc, que trabalha para levar artistas contemporâ­neos e mais jovens a um público mais amplo. Cultura é a chave para que qualquer país possa se enxergar num contexto de onde viemos e para onde seguimos, e também no contexto mundial. Não é um elemento decorativo e marginaliz­ado na periferia da identidade de uma nação. Ela é uma linguagem com a qual exercitamo­s autocrític­a e nos engajamos para melhorar nossa relação com o outro. Arte é uma ágora, onde os não ouvidos são escutados e o impossível pode se tornar possível. É também o lugar onde demagogos patriarcai­s, corruptos, populistas e nacionalis­tas podem ser desafiados, e é por isso que eles não são necessaria­mente os maiores fãs da cultura.

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THILO FRANK

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