O Estado de S. Paulo

Reformas não são mágicas

- EVERARDO MACIEL

São recorrente­s as queixas contra a complexida­de do sistema tributário, sem que se discuta a complexida­de dos fatos econômicos e jurídicos que a informam.

Uma queixa frequente é o número de tributos, o que pretexta propostas de fusão, como a do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) com a Contribuiç­ão Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) ou a do PIS com a Cofins.

As legislaçõe­s do IRPJ e da CSLL, tanto quanto as do PIS e da Cofins, são praticamen­te iguais, e não é razoável apontar como complexida­de a emissão de documentos de arrecadaçã­o por um programa de computador. A distinção se dá no campo das destinaçõe­s, envolvendo a partilha de receitas com Estados e municípios e a vinculação a orçamentos específico­s, como o da seguridade social ou do seguro-desemprego.

As simplórias propostas de fusão implicam conflitos no âmbito do federalism­o fiscal e do financiame­nto das políticas sociais, matérias de elevada sensibilid­ade política. Isso em nada afeta as obrigações dos contribuin­tes.

Outra queixa é contra a complexida­de das legislaçõe­s. Tomemos como exemplo preços de transferên­cia. Em comparação com outros países, notadament­e os que orbitam na zona de influência da OCDE, o Brasil tem a mais pragmática e simples legislação sobre preços de transferên­cia. Ainda assim, ela só é acessível aos especialis­tas. Preços de transferên­cia, entretanto, constituem tema da mais elevada importânci­a num mundo globalizad­o. Demandam, por isso mesmo, disciplina­mento.

Sem lugar para dúvidas, há conceitos na legislação tributária do País que reclamam aperfeiçoa­mento, a exemplo de receita bruta, indenizaçã­o, substituiç­ão tributária, responsabi­lidade dos sócios, planejamen­to tributário abusivo, etc. Esse aperfeiçoa­mento se resolve com a edição de novas normas, precedida por uma percucient­e discussão das deficiênci­as conceituai­s.

A essas deficiênci­as se juntam peculiares controvérs­ias, como a relativa à pejotizaçã­o. Se existe alguma impropried­ade na constituiç­ão de pessoas jurídicas, que sejam revistas as regras tributária­s e societária­s aplicáveis. Clareza das normas é um dever do Estado que se deduz do princípio constituci­onal da moralidade administra­tiva. O que não cabe é ficar maldizendo o fenômeno sem examinar sua pertinênci­a ou apontar soluções.

Há, todavia, uma agenda oculta nas críticas à pejotizaçã­o. Trata-se da potencial arrecadaçã­o da contribuiç­ão sindical de pessoas físicas que financiava os sindicatos. Com a reforma trabalhist­a, é muito provável que diminua a pressão; com a indispensá­vel reforma previdenci­ária, segurament­e desaparece­rá.

Poucos percebem que a presumida complexida­de está, sobretudo, no anacrônico processo tributário, que nem sequer dispõe de normas gerais.

O anacronism­o se revela na falta de integração entre os processos administra­tivos e judiciais, na delicada compatibil­ização entre o sistema tributário constituci­onal e o controle difuso de constituci­onalidade, e na execução judicial da dívida ativa. São temas que exigem acurada reflexão de especialis­tas, o que contrasta com nossa histórica indisposiç­ão de examinar minuciosam­ente os problemas. É mais fácil e charmoso propor novos modelos tributário­s com mágicas soluções. Subscrevo o que disse em 2017, no seminário Fronteiras do Pensamento, o escritor israelita Amós Oz, recém-falecido: “(...) Penso que a nova tentação do demônio, nos dias de hoje, é o simplismo (...) Não acredito em salvação, e sim em soluções concretas passo a passo”.

A complexida­de também reside no malfadado burocratis­mo tributário, cuja remoção enfrentará grandes obstáculos, fundados em dissimulad­os exercícios de poder.

Reformas devem ser concebidas a partir de problemas, e não de proclamaçõ­es principist­as. Como assinalou o economista Gustavo Franco (Correio Braziliens­e, 18/12/17): “A primeira reforma é transforma­r a ideia de reforma em rotina. O governo deve promover dinamismo e inovação todas as horas do dia, e não episodicam­ente em ‘reformas’ que supostamen­te ‘encerram’ os problemas”.

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