UM PAÍS QUE NÃO APRENDE
BOATE KISS (242 MORTOS) BARRAGEM DE MARIANA (19 MORTOS) PRÉDIO NO LARGO DO PAIÇANDU (7 MORTOS) MUSEU NACIONAL BARRAGEM DE BRUMADINHO (157 MORTOS ATÉ ONTEM)
Um incêndio iniciado pouco depois das 5h de ontem pôs fim aos sonhos de dez garotos entre 14 e 16 anos que dormiam no CT do Flamengo, no Rio – outros três ficaram feridos. Eles queriam ser goleiros, atacantes, laterais e tinham um futuro promissor no clube de maior torcida do País. O fogo se alastrou rapidamente, dando pouca chance de fuga. O alojamento onde os meninos estavam virou uma montanha de ferro retorcido. É a mais recente tragédia que poderia ter sido evitada no País, ao lado dos 242 mortos da Boate Kiss, em Santa Maria (RS), ou dos 157 corpos resgatados até ontem da lama em Brumadinho (MG). Para sociólogos, a falta de um princípio de responsabilidade, somada à sensação de impunidade, prejudica questões práticas como prevenção e fiscalização, que poderiam ter evitado mortes como as dos meninos do Flamengo.
Eram todos muito jovens e sonhavam com fama e glória no futebol, mas tiveram o futuro consumido pelo incêndio que destruiu o alojamento onde viviam. A morte de dez jogadores das categorias de base do Flamengo, ontem, no Rio, é a última de uma sequência de tragédias ocorridas no País e que poderiam ser evitadas. Em 2013, o incêndio na boate Kiss, em Santa Maria (RS), deixou 242 mortos e 680 feridos – a grande maioria universitários. Em 2015, o rompimento da barragem da Samarco destruiu o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), matando 19 pessoas e desabrigando 1,2 mil. Em 2018, no centro da capital paulista, o prédio Wilton Pais de Almeida desabou e matou 7 sem-teto que moravam no local. Ainda em 2018, outro incêndio, desta vez no Museu Nacional, no Rio. Não houve mortos nem feridos, mas o desastre acabou com o mais importante acervo da ciência do País. Neste ano, há duas semanas, outra barragem se rompeu, agora da mineradora Vale, em Brumadinho. Até agora, 157 corpos foram encontrados e 182 continuam desaparecidos.
No caso do incêndio no Flamengo, a área do alojamento que pegou fogo chegou a ser interditada pela prefeitura em 2017, por falta de alvará. Segundo a gestão municipal, o local foi lacrado após a emissão de “quase 30 multas”. Para o comandante do Corpo de Bombeiros, Roberto Robadey, o alojamento era um “puxadinho”. A principal suspeita é que o fogo tenha começado após curto-circuito no ar-condicionado.
A sequência de tragédias desencadeou manifestação da procuradora-geral da República, Raquel Dodge: “Estamos vendo uma sucessão de fatos e desastres evitáveis, preveníveis e precisamos estar atentos a eles para que as instituições de controle, fiscalização e punição realmente funcionem no Brasil”. Para Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o ponto central é que não temos uma democracia consolidada. “A responsabilidade é a base da democracia moderna. Aqui isso não existe, todo mundo acha que pode fazer o que quiser porque não vai pagar por isso, tanto a sociedade quanto as autoridade.”