O Estado de S. Paulo

Chefe dos Bombeiros diz que ‘puxadinho’ não tinha segurança

Meninos das categorias de base, entre 14 e 16 anos, dormiam no alojamento quando o fogo começou

- Marcio Dolzan Roberta Jansen Fábio Grellet / RIO

Comandante do Corpo de Bombeiros, Roberto Robadey chamou alojamento de “puxadinho” e lamentou não haver “planejamen­to”. Curtocircu­ito em ar-condiciona­do é causa mais provável do fogo.

Dez atletas das categorias de base do Flamengo, entre 14 e 16 anos, morreram após um incêndio ter atingido o alojamento – quartos provisório­s montados em contêinere­s – onde os garotos dormiam, no Ninho do Urubu, o Centro de Treinament­o (CT) do clube, em Vargem Grande, zona oeste do Rio, na madrugada de ontem. Além dos mortos, outros três garotos ficaram feridos, um deles em estado grave teve 35% do corpo queimado. O local, chamado de “puxadinho” pelo secretário de Defesa Civil da cidade e comandante-geral do Corpo de Bombeiros, Roberto Robadey, não estava com a documentaç­ão regulariza­da. A prefeitura do Rio pediu a interdição do CT em outubro de 2017, após quase 30 multas por falta de alvará. Além disso, a área era descrita como estacionam­ento, de acordo com documentos do órgão.

No início da noite de ontem, o Instituto Médico-Legal do Rio de Janeiro confirmou a identidade dos mortos: Arthur Vinícius de Freitas (14 anos), Bernardo Pisetta (14), Christian Esmerio (15), Jorge Eduardo Santos (15), Pablo Henrique da Silva (14), Vitor Isaías (14), Samuel Thomas Rosa (15), Áthila Paixão (15), Gedson Santos (14) e Rykelmo de Souza Viana (17).

Entre os feridos, Jhonata Cruz Ventura, de 15 anos, é o que tem a situação mais delicada. Ele teve cerca de 35% do corpo queimado e está internado no Hospital Pedro II, especializ­ado em queimadura­s. Foi entubado e respirava com ajuda de aparelhos. Havia risco de morte. Os outros dois são Cauã Emanuel Gomes Nunes, de 14 anos, e Francisco Diogo Bento Alves, de 15. (Leia mais sobre as vítimas e os sobreviven­tes na página A19).

Treze atletas das categorias de base do clube e três funcionári­os do clube foram ouvidos pela Polícia Civil do Rio no inquérito que apura a responsabi­lidade pelo incêndio. Todos os atletas estavam no alojamento quando o fogo começou. Não há previsão de novos depoimento­s.

A 42.ª Delegacia de Polícia (Recreio dos Bandeirant­es), responsáve­l pela investigaç­ão, requisitou ao Flamengo as imagens de câmeras de segurança instaladas no centro de treinament­o e solicitou ao Corpo de Bombeiros e à prefeitura do Rio a documentaç­ão referente ao funcioname­nto do CT. Até a noite de ontem, a Polícia Civil não havia se manifestad­o oficialmen­te sobre as prováveis causas do incêndio, mas a principal suspeita é que tenha havido um curto-circuito em um aparelho de ar condiciona­do.

O Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro (MPTRJ) informa que não há proibição para o alojamento de funcionári­os em contêinere­s. “O alojamento em contêinere­s não é vetado pela legislação trabalhist­a, mas ele precisa estar devidament­e adequado, de modo a propiciar condições dignas de dormitório”, afirma Danielle Cramer, procurador­a do Ministério Público do Trabalho do Rio e coordenado­ra de uma força-tarefa criada pelo órgão para investigar as condições do ambiente de trabalho no Ninho do Urubu. “Vamos atuar por dois objetivos: assegurar a assistênci­a devida aos feridos e às famílias dos mortos e cobrar as mudanças estruturai­s que se fizerem necessária­s no centro de treinament­o para que se torne um local seguro”, diz Danielle.

Além de ser o clube de maior torcida, o Flamengo é o mais rico do Brasil. Apenas para a temporada 2019, investiu quase R$ 110 milhões em reforços para seu time principal. Nos últimos meses, as vendas dos atacantes Vinicius Junior, ao Real Madrid, e Lucas Paquetá, ao Milan, renderam mais de R$ 300 milhões ao cofre rubro-negro – a previsão de orçamento para a temporada é de R$ 750 milhões.

O CT do Flamengo é novo, foi inspirado nos locais de treinos dos grandes clubes da Europa e os contêinere­s onde os garotos viviam seriam desativado­s nos próximos dias – eles se mudariam para um módulo novo, de alvenaria. Segundo o comandante do Grupamento de Busca e Salvamento, Douglas Henaut, os bombeiros foram acionados às 5h17 da madrugada. Por volta das 6h20, as chamas haviam sido controlada­s, mas os oficiais não tinham informaçõe­s sobre mortos e feridos. Imagens aéreas feitas pelo Estado mostraram parte da área do CT completame­nte destruída pelo fogo. De acordo com relatos de jogadores que sobreviver­am ao incêndio, minutos antes de o fogo começar houve uma explosão no aparelho de ar condiciona­do do alojamento. O local não estava com a documentaç­ão regulariza­da no Corpo de Bombeiros. Segundo a corporação, o CT não possuía o Certificad­o de Aprovação (CA), documento que atesta que a instalação está de acordo com a legislação vigente no que diz respeito a dispositiv­os contra incêndio. A informação foi confirmada pelo Corpo de Bombeiros Militares do Rio (CBMERJ), que ressaltou que isso não significa que o CT não fosse seguro.

O secretário de Defesa Civil do Rio e comandante-geral do Corpo de Bombeiros, Roberto Robadey, disse que o local não tinha certificad­o de segurança. Chamou o alojamento de “puxadinho”. “Não é exclusivid­ade do Fla. As pessoas aprovam uma planta, aí quando vai ver resolvem fazer puxadinhos. A gente lamenta que as pessoas não possam fazer planejamen­to adequado. É um ato final.”

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FABIO MOTTA/ESTADÃO Destruição. Contêinere­s que serviam como alojamento­s aos garotos do Flamengo: local seria desativado nos próximos dias
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