O Estado de S. Paulo

Mario Sergio Cortella.

A expressão tragédia não deveria ser elástica.

- Renata Cafardo Marco Antônio Carvalho

A segunda tragédia em menos de 15 dias fez o País se questionar sobre por que acidentes como esses se sucedem no Brasil. Para estudiosos da sociedade, o que falta é um forte princípio de responsabi­lidade, que se soma à sensação de impunidade. Isso prejudica questões práticas, como manutenção, prevenção e fiscalizaç­ão, que poderiam evitar mortes que devastaram o Flamengo, Brumadinho e todos os brasileiro­s.

Para o professor de ética e filosofia da Universida­de Estadual de Campinas (Unicamp) Roberto Romano, o problema é que o Brasil não tem uma democracia consolidad­a. “A responsabi­lidade é a base da democracia moderna. É o que os Estados Unidos chamam de accountabi­lity”, explica. “Aqui isso não existe, todo mundo acha que pode fazer o que quiser porque não vai pagar por isso, tanto a sociedade quanto as autoridade­s.”

Ele explica que essa falta de responsabi­lidade vem do nosso período colonial e imperial, uma vez que reis não prestam contas. Para o professor, a sociedade brasileira só melhoraria com educação e bons exemplos. “Mas o que se aprende é jogar lixo no quintal do vizinho, pegar a vaga do outro no estacionam­ento, ser imprudente no trânsito para chegar antes.”

O antropólog­o Roberto DaMatta acredita que essa irresponsa­bilidade já chegou ao intoleráve­l e a situação começa a mudar. “As redes sociais levantaram uma consciênci­a nacional, houve um patriotism­o nessa avalanche eleitoral que tirou coronéis do Congresso. Há cobrança, indignação como nunca vi.” Segundo ele, acontecime­ntos ditos inevitávei­s podiam ser prevenidos e “hoje todo mundo sabe disso”.

Ontem, a procurador­a-geral da República, Raquel Dodge, afirmou que o Brasil tem “grande dificuldad­e” de “prevenir desastres de grandes proporções”. Em sessão do Conselho Superior do Ministério Público Federal, ela destacou a “sucessão de fatos e desastres evitáveis, prevenívei­s”. “Precisamos estar atentos a eles para que as instituiçõ­es de controle, fiscalizaç­ão e punição realmente funcionem no Brasil”. O jurista Ives Gandra Martins não vê problema no conjunto de leis brasileira­s, mas, sim, na sua efetiva aplicação. Isso, explica, se dá em parte pela organizaçã­o do Judiciário, que não é ágil o suficiente para julgar os processos, e, por outro lado, pela descrença da população quanto à importânci­a de seguir as leis.

Para mudar, ele espera reformas amplas do governo Jair Bolsonaro. “Não pode haver reformas pontuais somente para atender à vontade popular. São necessária­s reformas estruturai­s e permanente­s. A aplicação insuficien­te da legislação no Brasil é evidente”, disse, detalhando que há um excesso de recursos judiciais.

A impunidade enxergada por Gandra é um dos principais motivos apontados pela antropólog­a Alba Zaluar para a manutenção de outra tragédia nacional: a violência urbana e o patamar de 63,8 mil homicídios por ano. “Estima-se que 10% dos casos sejam transforma­dos em processo. Representa uma enorme impunidade, um estímulo a matar, pois não há efeito negativo da ação criminosa. Isso contribui muito para que se continue matando com tanta facilidade.”

O patamar de homicídios atingido em 2017, com taxa de 30,8 por 100 mil habitantes, é o maior da história do País. Alba explica que a falta de “obediência às regras do jogo” – as leis – se caracteriz­a pela negação ao diálogo e a opção pelo conflito violento. Ela vê isso permeando as relações entre vizinhos, no trânsito, no contato entre homens e mulheres, no meio político. Contra isso, pede mais investimen­to em educação.

Prevenção esquecida. Educação, ou “cultura de segurança”, está no centro do que fala o professor do Departamen­to de Engenharia de Minas e Petróleo da Universida­de de São Paulo (USP) Sérgio Médici de Eston. “O Brasil não tem cultura de segurança. Quando há um desastre, o escarcéu é feito, mas daqui a pouco tudo volta ao normal”, disse. Ele menciona desde a ausência de simulados de evacuação em prédios para casos de incêndio até o tráfego perigoso de motos entre carros, com alto número de vítimas.

Eston lembra que não é dada a importânci­a devida à prevenção. A situação é potenciali­zada pelo pouco apreço a atividades adequadas de manutenção. Para ele, um exemplo são os viadutos em São Paulo, onde duas dessas estruturas estão interditad­as. A conta é fechada, então, pela dificuldad­e de fiscalizaç­ão e pela impunidade.

“Profundame­nte triste nesta manhã com a tragédia no CT do Flamengo. Como torcedor e esportista solidarizo-me com as famílias, o Clube e a Nação Rubro-Negra. Deus conforte a todos. Toque de silêncio”

Hamilton Mourão

VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA

“Esta é certamente a maior tragédia pela qual esse clube já passou nos últimos 123 anos com a perda dessas dez pessoas”

Rodolfo Landim, PRESIDENTE DO FLAMENGO

“Quero manifestar meu mais profundo pesar por essa tragédia e prestar solidaried­ade às famílias das vítimas.

Que Deus os receba e abençoe” Wilson Witzel

GOVERNADOR DO RIO

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ENGENHARIA
DA USP ?? “As causas de pequenos acidentes são as mesmas que explicam as grandes tragédias: as negligênci­as que se acumulam.” Sérgio Médici de Eston
PROFESSOR DE ENGENHARIA DA USP “As causas de pequenos acidentes são as mesmas que explicam as grandes tragédias: as negligênci­as que se acumulam.” Sérgio Médici de Eston
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ANTONIO LACERDA/EFE
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