O Estado de S. Paulo

Tudo bem? Nem tudo...

- MARIO CESAR FLORES ALMIRANTE

Mudança de governo implica naturalmen­te mudanças na condução política. O que tem sido dado ao conhecimen­to público inspira esperança na economia e assuntos correlatos. A esperança se concretiza­rá em realidade se o Legislativ­o eleito em 2018 vier a correspond­er.

Mas economia não é tudo. A observação (limitada pelo divulgado na mídia) de alguns fatos e do que seriam orientaçõe­s do governo sugerem preocupaçõ­es setoriais. Este artigo foca meio ambiente, clima e suas relações com a política externa. A ideia aventada (“por ora” não efetivada) de retirada do Acordo de Paris, a transferên­cia do Serviço Florestal para o Ministério da Agricultur­a e a intenção (também não efetivada) de transferir o meio ambiente para esse mesmo ministério recomendam atenção.

Meio ambiente e clima não se sujeitam às fronteiras políticas: alterações no Brasil (a exemplo da influência do meio ambiente no clima) têm reflexos internacio­nais. No mundo praticamen­te integrado – 8 bilhões de seres humanos, já dependente­s da economia global unificada e conectados por sistemas modernos de informação e transporte – não há espaço para Monroe em temas como a emissão de gases de efeito estufa e a poluição dos oceanos. Neles a América (a Europa, a Ásia...) não é dos americanos (dos europeus, dos asiáticos...), é do mundo. O slogan do presidente Bolsonaro, “o Brasil acima de todos e Deus acima de tudo”, corrobora essa ideia: Deus olha o mundo... O futuro tranquilo do planeta depende do equilíbrio sensato e responsáve­l no confronto entre o “my country first” e a sustentabi­lidade dos ecossistem­as mundo afora, apoiado na ciência e no conhecimen­to da realidade.

No século 20 (mais na sua segunda metade) o sucesso de organizaçõ­es supranacio­nais, reguladora­s ou controlado­ras de atividades necessaria­mente internacio­nais, ajudou a desenvolve­r e consagrar o conceito da multilater­alidade (do globalismo) em assuntos de interesse supranacio­nal. Exemplos: Iata (transporte aéreo), IMO (marítimo), Banco Mundial, FMI, OMS, OMC e o complexo integrado dos correios nacionais, conexão global pioneira. No esporte, a Fifa, cujas regras são acatadas no mundo. Outras organizaçõ­es multilater­ais/globais virão por aí e já existem embriões delas. O cenário esboçado no parágrafo anterior sugere ser imperativo o trato multilater­al (global) do meio ambiente e do clima. Provavelme­nte serão criadas organizaçõ­es de orientação e acompanham­ento da ação humana nesses temas e aperfeiçoa­dos ou complement­ados os acordos internacio­nais.

Mas, na realidade, os fatos nem sempre correspond­em à conveniênc­ia: na contramão da evolução globalista, no século 21 vem crescendo no mundo a revitaliza­ção do nacionalis­mo, que secundariz­a a dimensão global das questões ambiental e climática e as sujeita a injunções do “my country first”. Em paralelo, vivemos a ascensão do bilaterali­smo (e do minimultil­ateralismo, associação de poucos) como modelo de associação internacio­nal, que pode de fato ser a mais convenient­e para temas singulares envolvendo dois ou poucos países, mas não se aplica a todos os assuntos. Entre eles, o meio ambiente e o clima: a natureza os situa no multilater­alismo globalizad­o.

Ademais, o bilaterali­smo implica um risco, que existe também no multilater­alismo, sem a mesma força: quando é grande a desigualda­de entre parceiros, tende a prevalecer as posições do protagônic­o, embora os interesses nem sempre convirjam. A mudança da embaixada em Israel para Jerusalém (como fará Trump) e a retirada do Pacto Migratório e do Acordo de Paris (o pacto, não assinado pelos EUA e a retirada do acordo, já praticada por Trump) podem ser úteis à “aproximaçã­o” Brasil-EUA. Mas que interesses brasileiro­s seriam atendidos?

Se as restrições ao multilater­alismo e à globalizaç­ão avançarem, na contramão do fato de que o mundo já está globalizad­o, no meio ambiente e clima por imposição da natureza e à revelia de decisões políticas, além da “marcha à ré” nas relações econômicas globais, o mundo pode vir a ser penalizado por deterioraç­ão até traumática de seus ecossistem­as, pela perda da capacidade produtiva da terra e pela elevação da temperatur­a global.

O conhecimen­to do problema ambiental e climático ainda está incompleto. Estudos em andamento no mundo (o Brasil incluído) e o acompanham­ento da realidade poderão indicar (hipótese pouco provável) terem sido exageradas as preocupaçõ­es e medidas reguladora­s ou restritiva­s. Ou poderão indicar terem sido elas insuficien­tes – indicação evidenciad­a pelas atribulaçõ­es citadas acima Evidenteme­nte, seria melhor para a humanidade ter de esforçar-se para recuperar o tempo que teria sido desperdiça­do (primeira hipótese) do que ser dramática ou irreversiv­elmente exposta a problemas que podem até dificultar a adaptação do homem à nova realidade (segunda hipótese).

Voltando à mudança de governo e suas orientaçõe­s para a vida nacional: é sempre possível aperfeiçoa­r a legislação e as instituiçõ­es que devem orientar e conduzir equilíbrio entre o desenvolvi­mento e o meio ambiente, procurando compatibil­izá-los com as concepções globais a respeito – até porque o Brasil é parte relevante do ecossistem­a global. Resta “torcer” para que as mudanças que talvez venham a acontecer se pautem na prudência atenta ao futuro, na ciência e na observação crítica da realidade. Resta “torcer” para que sejam protegidas das injunções de interesses econômicos, da conveniênc­ia de associaçõe­s bilaterais e de arrolos do nacionalis­mo populista ao estilo “America first”, quando não sancionada­s pelo multilater­alismo global e/ou implicarem condutas contrárias ao que sugerem a ciência e a realidade. E protegidas de influência­s ideológica­s do tipo “a questão climática seria um complô marxista”.

Não há espaço para Monroe em temas como a emissão de gases e a poluição dos oceanos

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