Pedra vai à Lua e volta
Em 1971, os astronautas da Apolo 14 trouxeram da Lua uma pedra do tamanho de uma bola de futebol de salão. Incrustada nessa pedra havia um fragmento de rocha de dois centímetros. O que descrevo a seguir é a história desse fragmento.
A Terra se formou por volta de 4,4 bilhões de anos atrás. São dessa época as rochas mais antigas encontradas no Canadá e na Groenlândia. Por volta dessa época, um grande meteorito atingiu a Terra e seu impacto arremessou fragmentos de rocha no espaço. Um desses fragmentos acabou chegando na superfície da Lua. Nessa época, a distância da Terra até a Lua era um terço da distância atual. Nos quatro bilhões de anos seguintes esse pequeno fragmentos foi envolvido na superfície da Lua por outros materiais e ficou do tamanho de uma bola. Como o ambiente da Lua é relativamente estável, essa pedra ficou por lá, esperando.
Enquanto isso, na Terra muita coisa estava acontecendo. Quase um bilhão de anos após esse impacto, com os mares já formados, surgiram os primeiros seres vivos. Muito tempo depois surgiram os seres vivos capazes de fazer fotossíntese e, ao longo de milhões de anos, a atmosfera do planeta foi acumulando oxigênio.
Essa mudança na atmosfera permitiu o surgimento dos animais multicelulares que passaram a conviver com as plantas. Surgiram os peixes e seus descendentes. Os anfíbios e répteis saíram dos mares e ocuparam a terra firme. Logo surgiram as aves. Os animais aumentaram de tamanho e se iniciou a época dos dinossauros. Enquanto isso, o fragmento de rocha estava lá, na Lua, esperando.
Por volta de 400 milhões de anos atrás, um outro asteroide se chocou com a Terra e acabou com os dinossauros. Essa mudança permitiu que um novo grupo de animais se espalhasse no planeta: os mamíferos. Surgiram os antepassados dos animais que habitam a Terra hoje, como elefantes e tigres. Entre esses novos grupos, surgiram os primatas, e entre esses, os hominídeos, que apesar de terem surgido na África, se espalharam pelo planeta. Finalmente surgiram os humanos, por volta de 250 mil anos atras. E lá estava o fragmento de rocha na Lua.
Os humanos saíram da África e 15 mil anos atrás descobriram a agricultura, criaram as primeiras cidades, a escrita e a matemática. Curiosos descobriram que a Terra era redonda, que a Lua girava em torno dela e que essa girava em torno do Sol. Descobriram a pólvora, as leis de Newton e a ciência em geral. E o fragmento esperando.
Ai surgiram os satélites, os foguetes, e as primeiras viagens do homem para fora da Terra. Então decidiram ir até a Lua. E chegando na Lua, em 1971, um de nós catou uma pedra e a trouxe de volta para a Terra. E agora o mais inteligente dos seres vivos, o único descendente do primeiro ser vivo que apareceu no planeta capaz de ir à Lua, estava com essa rocha em suas mãos e se perguntou: o que seria aquilo?
O pedaço de rocha é parecido com um granito, desses que usamos para fazer bancadas de pia, contendo cristais de feldspato, zircon e quartzo. Medindo a quantidade de urânio e os produtos de seu decaimento no zircon foi possível datar a época de formação da rocha (os 4 bilhões de anos). Com base no titânio presente, foi possível deduzir as condições de umidade, temperatura e pressão em que foi formado.
Essas condições existem no fundo da Terra, a aproximadamente 19 quilômetros de profundidade, onde se forma a lava dos vulcões. Na Lua, condições semelhante só existem a mais de 170 quilômetros de profundidade, o que torna impossível que a rocha tenha se formado na Lua.
Com a idade da rocha e condições de formação, a hipótese mais provável é que ela tenha se formado na Terra e chegado à Lua. Rochas formadas na Lua e achadas na Terra são bem conhecidas, mas é a primeira vez que o caminho inverso é sugerido. E assim a ciência humana – produzida por uma forma de vida muito recente, o Homo sapiens – trouxe da Lua e elucidou na Terra a história de uma rocha que foi à Lua bem antes de a vida ter surgido na Terra.
Rochas da Lua e achadas na Terra são conhecidas, mas é a 1.ª vez do caminho inverso
MAIS INFORMAÇÕES: TERRESTRIAL-LIKE ZIRCON IN A CLAST FROM AN APOLLO 14 BRECCIA. EARTH AND PLANETARY SCIENCE LETTERS. VOL. 510 PAG. 173 2019