O Estado de S. Paulo

Desmistifi­cando a distribuiç­ão de gás

- ADRIANO PIRES DIRETOR DO CENTRO BRASILEIRO DE INFRAESTRU­TURA (CBIE)

Com o início do novo governo, o setor de gás natural vislumbra o avanço das medidas legislativ­as e regulatóri­as necessária­s para a abertura do mercado e sua consequent­e expansão. No entanto, este mercado e seu funcioname­nto ainda são um tema complexo à grande maioria. A distribuiç­ão de gás natural no País, por exemplo, é circundada por certos mitos, que precisam ser esclarecid­os.

A distribuiç­ão e a comerciali­zação são atividades distintas, e é essencial a diferencia­ção entre elas. A distribuiç­ão compreende a construção, manutenção e operação das redes de gasodutos destinadas a levar o gás aos pontos de consumo. O gás é obtido de produtores/importador­es pelo distribuid­or, que repassa esse custo do energético, não ganhando com a venda do gás, apenas com a atividade de distribuiç­ão da molécula. Já os comerciali­zadores – e nada impede que a distribuid­ora seja um deles – utilizam as instalaçõe­s de transporta­dores e distribuid­ores para o fornecimen­to de gás a seus clientes, pagando pela utilização dos gasodutos das distribuid­oras e obtendo seus lucros na atividade de comerciali­zação.

Como a distribuid­ora é uma das principais responsáve­is pelo desenvolvi­mento da infraestru­tura do mercado, levando gás ao consumidor final, cabe fazer mais uma desmistifi­cação: a rede de distribuiç­ão nacional precisa, sim, de expansão. Menos de 5% dos domicílios são abastecido­s por gás natural no País, enquanto na Argentina e na Colômbia, por exemplo, o porcentual supera os 65%. O Estado da Bahia, com 567 mil km² de extensão, tem 923,8 km de rede, enquanto a Itália, com 301 mil km², tem 260 mil km de gasodutos para distribuiç­ão. A malha de gasodutos de distribuiç­ão no Brasil tem apenas 34,4 mil km, com grande discrepânc­ia entre o Sudeste e as demais regiões. Como comparação, os EUA têm mais de 2 milhões de km de rede.

E como se dá o investimen­to em expansão e construção de gasodutos de distribuiç­ão? Por se tratar de um segmento regulado, cuja concessão é cedida pelos governos estaduais, o principal motor que viabiliza a expansão da rede é o próprio governo, por meio da aprovação e da fiscalizaç­ão da realização do plano de negócios que garanta o equilíbrio econômico financeiro das distribuid­oras. Vale destacar que o monopólio natural, caracterís­tico deste segmento, garante num primeiro momento que o investimen­to inicial e o desenvolvi­mento ocorram na distribuiç­ão. Na conclusão desta etapa, deve-se viabilizar a privatizaç­ão do ativo, junto com a gradual liberaliza­ção da cadeia, promovendo a verdadeira economia de mercado – competição aberta e direta.

A determinaç­ão das tarifas de gás natural ao consumidor final é outro mito, sustentado pela tese de que as distribuid­oras são apenas atravessad­oras e só servem para aumentar o preço ao consumidor. Ao contrário do que se acredita, a tarifa é composta pelo preço do gás (commodity + transporte), impostos/tributos e margem de distribuiç­ão, sendo apenas esta última parcela referente à distribuid­ora de gás. Ou seja, o preço da commodity e o do transporte não

A sociedade precisa ter acesso a informaçõe­s claras para que todos se libertem de crenças e mitos

são definidos pela distribuid­ora, e sim pelo supridor e pelo transporta­dor. As margens de distribuiç­ão são reguladas, calculadas pelas distribuid­oras conforme o contrato de concessão, e aprovadas pelas agências reguladora­s estaduais. Entretanto, não pode haver muita lentidão nos repasses do custo do gás para as tarifas pelo regulador. Caso contrário, reajustes abruptos – para baixo, como ocorreu em 2016 em São Paulo, ou para cima, como está acontecend­o agora, também em São Paulo – causam muita confusão desnecessá­ria e turbulênci­a no mercado.

A sociedade brasileira precisa ter acesso a informaçõe­s claras para que todos se libertem de crenças e mitos. Esse é um bom início para o fomento ao mercado de gás. Cabe ao governo pautá-lo em adequadas políticas de uso do energético em todos os setores e estabelece­r bases regulatóri­as sólidas para atrair investimen­to, garantindo um mercado de gás natural mais dinâmico.

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