O Estado de S. Paulo

‘Acordo de leniência deve destravar venda de ativos’

Para especialis­ta em colaboraçã­o premiada, empresário­s começam a ver vantagens em fechar acordos mais rápidos

- Renata Agostini /RIO

Responsáve­l pela negociação de acordos como o da Odebrecht, o advogado Caio Farah Rodriguez, sócio do escritório Barros Pimentel Advogados e um dos principais especialis­tas em colaboraçã­o premiada do País, diz que a configuraç­ão do governo aponta para reforço na busca por acordos de leniência, que podem ganhar novos usos, reduzindo disputas judiciais entre empresas e a União. Segundo ele, empresário­s começam a enxergar vantagens em fechar acordos para viabilizar novos negócios, como a venda de ativos. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O que as escolhas para AGU, CGU e Justiça sinalizam para o uso da leniência pelo governo?

Um reforço fortíssimo. Olhando o perfil dos ministros e a relação deles com Ministério Público, podemos esperar coordenaçã­o institucio­nal e diálogo onde antes não havia. Creio que esse instrument­o será fortalecid­o de todos os meios que eles puderem. Acho que o novo governo vai, inclusive, utilizar esse instrument­o não apenas para combate à corrupção, mas como exemplo de soluções consensuai­s para problemas relevantes que tipicament­e seriam judicializ­ados.

De que forma?

Percebo inclinação por celebrar acordo também para fixação de danos, permitindo a empresas que ficariam anos na Justiça estabelece­rem quanto devem (rapidament­e). Podemos esperar ampliação do uso.

A leniência já se incorporou à cultura das empresas?

Ainda é algo em construção. Com o da Odebrecht, houve reconhecim­ento de que é possível celebrar acordos sobre assuntos sensíveis com órgãos do governo. Vejo também que a leniência servirá para viabilizar outros negócios, como a venda de ativos contaminad­os por problemas de corrupção. Antes, esses negócios não seriam fechados porque comprar uma empresa contaminad­a era enfrentar o imponderáv­el: não saber se ela poderia quebrar, se os contratos dela seriam anulados. Ao fechar leniência, aquele ativo fica blindado e pode ser comprado de forma mais fácil. É uma evolução do instrument­o que será interessan­te para o mercado.

Veremos isso nos Estados?

Sim. A Lava jato começará a germinar nos Estados e municípios, onde as empresas locais poderão se valer do mesmo mecanismo do acordo de colaboraçã­o, permitindo que os ativos sejam eventualme­nte vendidos. A existência de uma força-tarefa, da interação entre promotores civis e criminais, ficou como lição de funcioname­nto. O fato de ter na União pessoas que são especialis­tas no assunto facilitará esse processo de aprendizag­em.

Qual deve ser o limite para possibilit­ar uma colaboraçã­o?

O limite é uma vez. É como o Refis que, existindo todo ano, faz com que empresas não se preocupem tanto em pagar imposto. Não quer dizer que o negócio deva morrer na segunda vez. Mas criar um mecanismo para aumentar a gradação (da pena), impondo maiores consequênc­ias. Não pode haver liberou geral da leniência.

Há debate sobre se donos de empresas corruptas devem ser obrigados a deixar o controle.

A ideia é sedutora, pois parece correspond­er a anseios profundos de punição dos envolvidas. Não é de se excluir de todo, mas merece análise mais sutil do que apareceu até agora. É preciso evitar que sirva de pretexto para expropriaç­ões arbitrária­s, favorecida­s pela retórica politicame­nte oportunist­a do combate à corrupção, ou que sirva como conluio entre expropriad­or e expropriad­o, usando recursos públicos para dar liquidez a ativos que talvez não tivessem. A simples mudança de controle pode ser inofensiva ao combate a práticas antimercad­o. Muda-se o controlado­r, mas a estrutura econômica concentrad­a segue a mesma.

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GABRIELA BILO / ESTADÃO - 27/11/17 Cultura. Para Rodriguez, leniência está ganhando força

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