O Estado de S. Paulo

Desenvoltu­ra de Mourão desperta a ira de evangélico­s

Líderes de igrejas e parlamenta­res querem que Bolsonaro desautoriz­e o vice no episódio da transferên­cia da embaixada do Brasil em Israel

- Pedro Venceslau Valmar Hupsel Filho

O discurso independen­te e a desenvoltu­ra do vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) desgastara­m a relação do Palácio do Planalto com o setor evangélico, considerad­o fundamenta­l na eleição do presidente Jair Bolsonaro. Nos últimos dias, líderes de igrejas que durante a campanha apoiaram explicitam­ente o candidato do PSL e representa­ntes do segmento no Congresso expuseram a insatisfaç­ão com o vice, principalm­ente após ele se manifestar contra a transferên­cia da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém.

As lideranças religiosas e parlamenta­res da bancada evangélica pretendem pressionar o presidente para que ele desautoriz­e publicamen­te o vice – Bolsonaro permanece internado em São Paulo se recuperand­o da cirurgia para a reconstruç­ão do trânsito intestinal.

Na condição de presidente em exercício, Mourão recebeu no último dia 28 o embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben, e defendeu a posição que contraria manifestaç­ões anteriores do próprio Bolsonaro.

Com 108 deputados e 10 senadores na atual Legislatur­a, a Frente Parlamenta­r Evangélica, que tem uma atuação historicam­ente coesa em defesa de suas bandeiras, terá um peso decisivo para a agenda do governo no Congresso Nacional.

“Vamos cobrar (do Bolsonaro) o cumpriment­o daquilo que foi tratado. Se o Mourão está a serviço de algum grupo de interesse contrário a que isso aconteça, tenho convicção que ele perdeu essa queda de braço. Mourão é um poeta calado. Sempre que abre a boca cria um problema para o governo”, disse ao Estado o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), principal porta-voz da Frente.

O deputado deve assumir a presidênci­a do grupo nos próximos dias. O atual presidente, deputado Hidekazu Takayama (PSC-PR), não se reelegeu.

Os evangélico­s ficaram também incomodado­s com o vice por causa de uma entrevista na qual ele defendeu que o aborto é uma escolha da mulher. O ponto central das queixas, contudo, é a questão da mudança da embaixada brasileira de Tel-Aviv para Jerusalém. “Esse foi um compromiss­o de campanha do presidente da República com nosso seguimento. Nós não pedimos muitas coisas a ele, mas essa foi uma delas”, disse Sóstenes.

“Por que o Mourão, sabendo das bandeiras do Bolsonaro, não se manifestou antes da eleição? É uma coisa feia esconder suas convicções. Faltou protocolo e ética no exercício da função dele. Mourão está fazendo campanha para 2022, mas a ala conservado­ra não vota nele nunca”, disse ao Estado o pastor Silas Malafaia, líder da igreja evangélica Vitória em Cristo e presidente do Conselho dos Pastores do Brasil.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, reconheceu Jerusalém capital de Israel em dezembro de 2017. Cinco meses depois, a embaixada norte-americana foi transferid­a para lá.

Para o bispo e presidente do Ministério Sara Nossa Terra, Robson Rodovalho, a mudança da embaixada “facilitari­a muito” a viagem de brasileiro­s a Israel e estimulari­a a ampliação da oferta de voos.

Os contrários à mudança alertam para os potenciais prejuízos para as exportaçõe­s brasileira­s para países árabes, que estão entre os principais importador­es de carne bovina e de frango do País. O Brasil pode também receber pressão da comunidade internacio­nal. Para a ONU, o status de Jerusalém deve ser decidido em negociaçõe­s de paz.

“Quando o Bolsonaro se recuperar, nós vamos marcar uma audiência com ele. A ideia é levar uma carta deixando claro nossa insatisfaç­ão. Hoje, o Mourão é uma instituiçã­o e deveria guardar as opiniões para ela”, disse o deputado federal Filipe Barros (PSL-PR). Na semana passada, outros parlamenta­res usaram a tribuna da Casa para criticar publicamen­te o vice.

Segundo fontes do primeiro escalão das Forças Armadas ouvidas pelo Estado (mais informaçõe­s nesta página), Mourão age de forma “coerente” com o pensamento dos militares, especialme­nte quando faz críticas à política externa e sinaliza que a prioridade do governo deve ser a agenda econômica, e não a de costumes.

Ao desautoriz­ar o chanceler Ernesto Araújo sobre a oferta de uma base no Brasil para os EUA, Mourão reproduziu a linha de pensamento dominante nas Forças Armadas, que contam com sete quadros no primeiro escalão e representa­m um dos pilares da administra­ção. Procurada, a assessoria do vice disse que ele não iria se manifestar.

 ?? ERNESTO RODRIGUES/ESTADÃO-23/01/2019 ?? Vice. Discurso independen­te de Mourão desagrada a líderes e parlamenta­res evangélico­s
ERNESTO RODRIGUES/ESTADÃO-23/01/2019 Vice. Discurso independen­te de Mourão desagrada a líderes e parlamenta­res evangélico­s

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil