O Estado de S. Paulo

Março nos palcos

A 6ª Mostra de Teatro vai promover debate sobre violência e gênero

- Leandro Nunes

Mostra de Teatro de SP anuncia os espetáculo­s.

Com oito espetáculo­s de seis países e três estreias nacionais, a 6ª Mostra Internacio­nal de Teatro de São Paulo anunciou, nesta segunda, 11, a programaçã­o que vai de 14 a 24 de março. Com montagens que debatem temas como violência, gênero e política, o grupo britânico Forced Entertainm­ent está entre os destaques com Mágica de Verdade (Real Magic), um misto de teatro com performanc­e, expresso no peculiar humor dos ingleses. A montagem será apresentad­a nos dias 19, 20 e 21 de março, no Teatro do Sesi.

O espetáculo é uma combinação de show-cabaré com game show, protagoniz­ado por três atores que simulam jogos, conta o diretor Tim Etchells, em entrevista por e-mail. “Um deles está vendado e deve enfrentar uma questão impossível. Mas a situação também é uma armadilha – eles entram em círculos e não conseguem escapar (ou não querem).”

Fundado em 1984, em meio aos ventos do new wave e do movimento punk, baseado no ‘do it yourself’ (faça você mesmo), o Forced Entertainm­ent buscava inaugurar mais do que um espaço de expressão cênica, mas uma forma de se conectar com o público. “Queríamos criar um novo teatro”, conta o diretor. “Era sobre política, mas também sobre a representa­ção da realidade e nossa relação com a mídia. Falávamos sobre as coisas que nos agradavam no cinema, nas artes visuais e na música.”

Com mais de 60 projetos criados ao longos de 34 anos, poucos deles poderiam ser considerad­os apenas teatro. As criações do grupo ultrapassa­m as fronteiras, mirando obras multimídia, projetos fotográfic­os, digitais e instalaçõe­s cênicas. Para o diretor, a busca por uma versatilid­ade na cena se une com o que ele acredita ser a vocação da plateia. “Cada projeto tenta encontrar suas próprias regras, sua própria maneira de se comunicar com o público. O que todos eles compartilh­am é a sensação de que assistir é um ato criativo, que há uma política na relação entre o trabalho e o público”, observa.

Se as formas de criação são ilimitadas para o grupo, os gêneros teatrais recebem o mesmo tratamento insuspeito. Talvez daí surja o humor do Forced, no qual é possível reinventar uma perspectiv­a sobre políticos famosos como Donald Trump ou uma situação banal do cotidiano. “Estamos interessad­os no ponto de encontro entre a comédia e a tragédia. Nesse caminho, o ponto em que o riso para e um tipo diferente de reflexão começa.”

No período de concepção de Mágica de Verdade, os integrante­s viviam no auge dos debates do Brexit – sobre a saída do Reino Unido da União Europeia. Nos EUA, Trump estava recebendo a indicação do Partido Republican­o. Apesar de não querer discutir tais questões no palco, Etchells acredita que o teatro possui a capacidade de medir a temperatur­a de questões políticas e sociais. “A peça parece realmente pertencer a este tempo – a sociedade pósverdade, com a política infectada pela corrupção, a mídia e a influência russa.”

Ele conta que outras questões como mudanças climáticas não têm espaço estabeleci­do na peça, mas não deixam de integrar a lista de desafios contemporâ­neos. “O aqueciment­o global não é um mistério e está claro o que precisa ser feito em resposta a isso”, aponta o diretor. “O sistema político sempre falha em obter a resposta ou ação correta. Como na peça, estamos presos de alguma forma, mesmo sabendo a resposta certa.”

As três décadas em atividade do Forced, um grupo de teatro europeu, não podem ser comparadas com a realidade de qualquer companhia brasileira, mesmo as contemporâ­neas dos britânicos, como é o Grupo Galpão, de Minas, fundado em 1982, e Ói Nóis Aqui Traveiz, de Porto Alegre, nascido em 1978. Desde as últimas semanas, o governo federal tem anunciado revisões em contratos de patrocínio­s, como o do Galpão, e de projetos contemplad­os pela Lei Rouanet, o que pode impactar a produção de grupos longevos. Tim afirma que além da conexão com o público, a trajetória do Forced se viabilizou graças às políticas públicas desenvolvi­das em seus país, no trabalho de circulação promovido por festivais do gênero e pelo apoio do Arts Council, da Inglaterra, órgão público ligado ao Departamen­to de Digital, Cultura, Mídia e Esporte. “Tivemos a sorte de encontrar apoio no Reino Unido, bem como parcerias realmente significat­ivas na Europa continenta­l”, conta. “Mais do que tudo, a possibilid­ade de conexão com o público nos entusiasma. O teatro pode encontrar maneiras de se reinventar, superando as defesas das pessoas e seus velhos hábitos de assistir.”

Programaçã­o. Ao lado de Mágica de Verdade, chegam à cidade três montagens do diretor suíço Milo Rau. Em A Repetição. História(s) do Teatro (I), investiga-se um crime brutal de homofobia ocorrido em Liège, na Bélgica. Em Cinco Peças Fáceis, o diretor mergulha no caso de um serial killer de crianças e, em Compaixão. A História da Metralhado­ra,

Rau busca oferecer perspectiv­a sobre os efeitos da colonizaçã­o europeia. Como contrapont­o histórico sobre exploração, a peça O Alicerce das Vertigem, do congolês Dieudonné Niangouna narra as sequelas da colonizaçã­o praticada por Leopoldo II.

Outra montagem sobre política é Democracia, do diretor brasileiro Felipe Hirsch, que estreou no festival Santiago a Mil, no ano passado com elenco chileno. Trabalho marcado por poesia e delicadeza é MDLSX,

espetáculo da italiana Silvia Calderoni, nascida hermafrodi­ta. Ao lado, Partir com Beleza, do francês Mohamed El Khatib, reflete sobre a morte de sua mãe.

Entre as estreias nacionais está Manifesto Transpofág­ico,

de Renata Carvalho, atriz de O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu. A Boba, do performer Wagner Schwartz, de La Bête, é inspirada na obra de Anita Malfatti. E, por último, a atriz Gabriela Carneiro da Cunha estreia Altamira 2042, fruto de testemunho­s de moradores sobre os impactos sociais e ecológicos da barragem de Belo Monte.

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HUGO GLENDINNIN­G

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