O Estado de S. Paulo

TRAGÉDIA ABALA SONHOS DE JOVENS EM BRUMADINHO

Para muitos, o futuro passava pela Vale; agricultur­a e Inhotim são opções

- Giovana Girardi ENVIADA ESPECIAL BRUMADINHO (MG)

Em uma cidade em que a principal atividade econômica é a mineração, não é de se estranhar que entre os planos de muitos jovens de Brumadinho estivesse o de conseguir um trabalho na Vale. Mas o desastre do rompimento da barragem local no dia 25, apenas três anos após a tragédia de Mariana, abala as certezas.

A lista de mortos da tragédia que eram alunos da Faculdade ASA simboliza bem a situação. Dois rapazes já funcionári­os da Vale tinham se matriculad­o no curso de Engenharia da Produção no dia anterior ao rompimento da barragem. Outros dois do mesmo curso e um da Engenharia Civil estão entre as vítimas. Também morreu a estudante de Enfermagem Letícia Mara Anizio de Almeida, de 28 anos, que tinha conseguido poucos meses antes um trabalho na mineradora. Amigos contam que a Vale era o sonho dela. Letícia deixou marido e um bebê de pouco mais de 1 ano.

A instituiçã­o também formou, nos últimos anos, pelo menos dez turmas de técnicos. O professor Sandro Mauricio Lopes, de Mecânica e Mineração, contou pelo menos 21 ex-alunos entre as vítimas. “Parei de contar. Certamente tem mais. Cheguei a ter uma turma da Mecânica em que 90% dos alunos eram funcionári­os da Vale. Todos os que passam por aqui têm esse sonho”, diz, emocionado.

Ele conta que quando houve o acidente em Mariana, os estudantes até se sentiram atingidos, mas não preocupado­s. “Aqui se achava que não havia risco. Agora vai tudo mudar.”

Relatos como esse são ouvidos em toda a cidade.

Jefson Pereira Soares, de 19 anos, que trabalha em uma fazenda de produção orgânica, há tempos tentava uma vaga na empresa. Tinha acabado de conseguir uma posição em uma empreiteir­a. Começaria em março. Apesar de ser categórico em dizer “agora, jamais”, admite que o futuro é incerto. “Acho que, depois que a poeira baixar, e muita gente estiver desemprega­da, as pessoas vão voltar.”

Opções. Soares trabalha em uma fazenda, de Marcia Cambraia Godoy, que tem uma das mais antigas lojas de orgânicos de Belo Horizonte, a João Caipira. Diante do desastre, ela agora espera poder ajudar na reconstruç­ão da cidade com uma nova perspectiv­a. Diz esperar que a agricultur­a possa surgir como um “tratamento” para as feridas da mineração.

Outra atividade que espera conseguir se apresentar como alternativ­a econômica forte para a região é o turismo. O atrativo principal para isso já existe e já movimenta esse lado da cidade: o Instituto Inhotim, que reabriu as portas no sábado. “Hoje, praticamen­te todo jovem busca seu primeiro emprego aqui”, afirmou na reabertura o diretor do Jardim Botânico, Lucas Sigefredo.

A condutora-guia Eduarda Ribeiro, de 20 anos, é uma dessas jovens. Mas tão logo foi aprovada em Ciências Contábeis, no início do ano, admite que pensou em “conseguir estágio na Vale”. Vários de seus amigos, diz, tinham como meta trabalhar lá – e alguns morreram, assim como quatro primos. “Apesar de tudo, é um emprego que todo mundo queria.”

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GIOVANA GIRARDI/ESTADÃO ‘Agora, jamais’. ‘Depois que a poeira baixar, e muita gente estiver desemprega­da, as pessoas vão voltar’, diz Soares

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