O Estado de S. Paulo

Novo momento, novas aspirações

- JOSEF BARAT ECONOMISTA, CONSULTOR DE ENTIDADES PÚBLICAS E PRIVADAS, É COORDENADO­R DO NÚCLEO DE ESTUDOS URBANOS DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE SÃO PAULO

Economista­s têm fascínio por prospecçõe­s e elaboração de cenários futuros, pois lidam basicament­e com incertezas. Buscam tirar alguma lógica futura de tendências captadas por indicadore­s. Mudanças de natureza institucio­nal, política, social ou comportame­ntal interferem na evolução da economia e muitos se dedicaram a analisar essas correlaçõe­s e interferên­cias.

Expectativ­as induzem poupança, investimen­to e cresciment­o, podendo delinear cenários pessimista­s ou sinalizar otimismo. Em grande parte, os ciclos econômicos de cresciment­o e recessão estão ligados, de início, a mudanças de expectativ­as. Intervençõ­es do governo podem atenuar crises ou estimular decisões. Mas “domesticar” o mercado por meio de planejamen­to centraliza­do e autoritári­o resulta em fracassos no longo prazo. O planejamen­to flexível, baseado em cenários possíveis e tentando minimizar efeitos de mudanças adversas, é o que tem dado bons resultados para grandes corporaçõe­s e governos. O mercado, as crises externas e rupturas de tendências são inevitávei­s e merecem respeito.

O problema dos tempos atuais é que inovações e mudanças tecnológic­as são tão velozes que os cenários e o planejamen­to devem acompanhar e tirar partido das mudanças. Por outro lado, o processo de globalizaç­ão passou a ter uma influência tão determinan­te na produção de bens e serviços que gerou novos modos de produzir, novas especializ­ações regionais e a descentral­ização em escala mundial das cadeias produtivas antes restritas a um país ou região. Quando se analisam os efeitos transforma­dores e conjugados dos avanços tecnológic­os e da globalizaç­ão, é difícil de resistir ao devaneio de imaginar como se distribuir­ão o cresciment­o econômico e as transforma­ções neste século 21.

Obviamente, convicções políticoid­eológicas, religiosas e comportame­ntais de cunho fundamenta­lista obliteram análises mais objetivas de cenários e tendências. Análises mais realistas indicam que, se não houver nenhuma ocorrência catastrófi­ca, a liderança do mundo em termos econômicos, sociais, culturais e de costumes, tecnológic­os e militares continuará a ser dos EUA, com ramificaçõ­es no Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. A força das universida­des, a ampla cultura, a pujança do mercado, a capacidade de inovação e a criativida­de ainda serão fatores determinan­tes dessa liderança.

A China será uma segunda potência de respeito, porém com grandes dificuldad­es internas. O paradoxo da China é que, quanto mais cresce, maiores se tornam as exigências sociais e humanas. Conseguirã­o o “despotismo esclarecid­o” e as restrições de liberdade conter esses problemas? Por outro lado, a União Europeia (se permanecer unida, claro) continuará a ser importante matriz cultural, científica e tecnológic­a. A Índia, sem dúvida, com extraordin­ária capacidade de absorção e elaboração do conhecimen­to e a língua inglesa facilitand­o a sua pujança acadêmica, será relevante. Mas a grande população, os recursos naturais limitados, a pobreza difusa e a cultura de castas travam a capacidade de criar uma sociedade mais equânime. A Rússia, com suas eternas ambições expansioni­stas, ficará em sua dúvida histórica entre integrar-se à Europa ou manter-se no isolamento.

O mercado, as crises externas e rupturas de tendências são inevitávei­s e merecem respeito

E o Brasil? O País absorve bem inovações e certa modernidad­e no consumo, de um lado, mas é muito impermeáve­l à cultura, ao conhecimen­to e à mudança. Os níveis educaciona­is e culturais são baixíssimo­s, o que trava a capacidade de gerar inovações e elevar seus níveis de produtivid­ade. No entanto, a grande extensão territoria­l, riquezas minerais, abundância de terras agricultur­áveis e o agronegóci­o têm nos salvado do atraso. O momento é de ter a ambição de se integrar ao mundo desenvolvi­do e abandonar a tradição do terceiro-mundismo, que nos levou a ficar patinando na mediocrida­de.

Com o novo governo e novas esperanças, vale lembrar, homenagean­do o recém-falecido Amós Oz, que “os que estão dispostos a mudar sempre serão vistos como traidores pelos que não são capazes ou que não querem qualquer mudança”.

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