O Estado de S. Paulo

Há esperança, há solução

- E-MAIL: ANAAC@UOL.COM.BR ESCREVE ÀS TERÇAS-FEIRAS

ALei de Responsabi­lidade Fiscal (LRF) define os limites a serem observados pelos entes federados em questões de endividame­nto e de despesas de pessoal. Nesse segundo tema, estabelece prazos de reenquadra­mento em caso de descumprim­ento dos tetos de comprometi­mento de receita e elenca instrument­os que devem ser usados para se buscar o reequilíbr­io. Após quase 20 anos de vigência da LRF, a realidade mostra que os limites definidos pela lei foram abandonado­s e alguns dos instrument­os de ajuste nunca estiveram disponívei­s. Parece ter chegado, finalmente, a hora de corrigir isso.

No campo das despesas de pessoal, a esperança vem com a reunião que o Tesouro Nacional promoveu na última semana com 31 das 32 cortes de contas de Estados e municípios. Conhecidos os excessos na interpreta­ção dos conceitos de despesa de pessoal da LRF por parte dos Tribunais de Contas, não há como não lhes aquinhoar uma boa parcela de responsabi­lidade no atual colapso financeiro de tantos Estados. O grupo de trabalho organizado a partir dessa primeira reunião deverá caminhar para a padronizaç­ão e a correção dos conceitos, convergind­o na direção de uma maior transparên­cia na contabilid­ade pública dos entes subnaciona­is.

Pelo lado dos instrument­os de ajuste, é no Supremo Tribunal Federal que se assenta a esperança. No próximo dia 27 de fevereiro o STF deverá julgar a ação direta de inconstitu­cionalidad­e (ADI) apresentad­a em 2000 pelo PT, PCdoB e PSB contra a LRF. A ADI 2238, à qual estão apensadas várias outras, deu origem a medidas cautelares que suspendera­m dois dispositiv­os fundamenta­is da LRF. O primeiro deles trata da redução da jornada de trabalho na administra­ção pública, com proporcion­al redução de salários. O segundo, da possibilid­ade de contingenc­iamento orçamentár­io e financeiro dos poderes Legislativ­o e Judiciário e do Ministério Público, em caso de frustração de receita.

A redução de jornada de trabalho com proporcion­al redução de salários é uma medida emergencia­l e necessária em tempos como os que vivemos atualmente. A grande maioria dos Estados descumpre os limites de despesa de pessoal da LRF, com constantes atrasos e parcelamen­tos nos salários e aposentado­rias de servidores. São poucos os mecanismos que permitem a contenção e, agora mais do que nunca, a necessária redução dos gastos com pessoal.

O contingenc­iamento orçamentár­io dos poderes é outra necessidad­e premente. Desde que a LRF estabelece­u limites e penalidade­s aos que os descumpris­sem, somente o Executivo responde aos ditames da lei. Sob o argumento da independên­cia de poderes, crise, ajuste, equilíbrio, racionaliz­ação de gastos e consciênci­a fiscal são conceitos que passam ao largo dos orçamentos dos poderes autônomos. Graças às medidas cautelares em vigor, são os cortes nos gastos com educação, saúde e segurança que custeiam orçamentos protegidos por duodécimos blindados da realidade.

Mas tanto o julgamento do STF quanto o esforço de convergênc­ia dos Tribunais de Contas têm, muito além do importantí­ssimo impacto fiscal, um caráter moral que é ainda mais importante. Nos últimos anos, entes subnaciona­is em crise buscaram (e conseguira­m) guarida do STF para garantir alívios imediatos, inclusive para o descumprim­ento de contratos firmados com a União. Assim como encontrara­m larga proteção em acórdãos e interpreta­ções convenient­es das cortes de contas locais, fugindo das penalidade­s e favorecend­o a irresponsa­bilidade fiscal que hoje assola tantos desses entes.

A esperança na condução correta dos temas que minaram a LRF reforça o que está cada vez mais claro. A solução para o desequilíb­rio de Estados e municípios está assentada, fundamenta­lmente, em ações locais. Recorrer à União por socorro financeiro, contar com o Supremo para adiar o cumpriment­o de obrigações assumidas ou escamotear a realidade com uma contabilid­ade criativa e errada não são mais alternativ­as.

A solução existe e está nas mãos, primeirame­nte, dos governador­es. É no âmbito local que a crise fiscal dos entes subnaciona­is deverá ser enfrentada e resolvida. Mas para que esses governador­es sejam bemsucedid­os, os poderes Legislativ­o e Judiciário e o Ministério Público locais têm de se conscienti­zar que também são parte do problema a ser resolvido. Sem isso, não haverá nem esperança, nem solução.

A solução para o desequilíb­rio de Estados e municípios está assentada em ações locais

ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORI­A OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAM­ENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA

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