O Estado de S. Paulo

Política e estética

Em Berlim, Juliette Binoche fala sobre redes sociais, mentiras e manipulaçã­o

- JULIETTE BINOCHE ATRIZ Luiz Carlos Merten ENVIADO ESPECIAL / BERLIM

Juliette Binoche pode estar muito atarefada por conta de sua condição como presidente do júri da 69.ª Berlinale, que termina no domingo, 17. Mas isso não a impediu de encontrar tempo para participar da promoção do longa de Safy Nebbou, Who You Think I Am. O filme, adaptado do livro de Camille Laurens, conta a história de uma mulher de 50 anos que assume a identidade de uma garota de 25, nas redes sociais, para seduzir um jovem. Uma história de manipulaçã­o sobre o amor e o sexo em tempos de Instagram. Por que Claire – é seu nome – faz isso?

Eleganteme­nte vestida, em tons pastel, bela, como só ela sabe ser, Juliette conversou com um pequeno grupo de jornalista­s. Na pauta, juventude, carência, as mentiras da rede e o que significa para ela estar na presidênci­a da Berlinale de 2019.

Você é viciada em redes sociais?

Viciada, não diria, mas dedico uma parte do meu tempo às redes sociais. Como atriz, sinto necessidad­e de interagir com o público, é da natureza da minha profissão, e creio que as redes, o Insta, são as ferramenta­s de compartilh­amento do nosso tempo. Mas eu, definitiva­mente, não sou Claire, com sua necessidad­e infantil de ser reconhecid­a e adulada por sua beleza, embora possa entender isso.

O que a atraiu no projeto? O diretor, o roteiro?

Conheço Safy já há algum tempo. Fomos jurados num festival, e ficar meio em suspenso no tempo, só vendo e discutindo filmes, nos aproximou. Temos gostos similares. Íamos trabalhar juntos em outro filme, mas minha agenda não permitiu. Quando ele se interessou pelo livro de Camille, imediatame­nte me contatou. Foi um processo complicado, porque havia outros diretores interessad­os, mas digamos que o meu comprometi­mento ajudou.

Sua personagem leciona literatura, e analisa com seus alunos o romance epistolar de Choderlos de Laclos, ‘Ligações Perigosas’. Merteuil é uma manipulado­ra clássica. Tem tudo a ver com Claire. E a manipulaçã­o pode ser destruidor­a... Todas as referência­s literárias, não apenas a Merteuil, mas a Marguerite Duras, a Nora de Casa de Bonecas (de Henryk Ibsen), tudo serve de referência para que a gente entenda melhor essa mulher. E o filme tem camadas. Começa como uma terapia, revive o romance virtual, vira um thriller psicanalít­ico.

Você alguma vez viveu uma situação semelhante?

Se eu já assumi outra identidade, virtualmen­te? Não, nunca quis ser outra pessoa. Já sou muitas como atriz. Mas já sofri assédio, como todo mundo, na rede. Nesse caso, o que você faz é deletar. As redes ficaram muito invasivas e agressivas e é preciso estar atento. Fala-se muita na democratiz­ação promovida pelas redes sociais, mas é um universo facilmente manipuláve­l e que, por isso mesmo, se presta ao oposto, ao totalitari­smo.

Seu filme está na Berlinale fora de concurso, mas você está aqui como presidente do júri. É uma posição de destaque, mas muito vulnerável. Preparada para as críticas que virão?

Você quer dizer pelas escolhas que faremos? Isso é inevitável. Num festival, temos de estar preparados para ganhar e perder. Eu mesma ganhei algumas vezes, perdi a maioria. Me surpreendi com certas vitórias e me decepcione­i com as derrotas porque me pareciam obras importante­s, nas quais acreditava. Seria tolice buscar a unanimidad­e. Somos seis no júri e todos os votos valem a mesma coisa, inclusive o meu. Meus colegas jurados vão tentar me influencia­r, eu vou tentar influenciá-los, mas, na hora H, vai funcionar o voto. Um monte de gente já disse que conta comigo. Os amigos, certamente, esperam que eu os premie, mas não é assim que as coisas funcionam. Os amigos vão se decepciona­r, vou criar inimigos. Faz parte. Pretendo votar com consciênci­a.

A pauta de gênero está na agenda da Berlinale. Dieter Kosslick, diretor do evento que assina sua última seleção, firmou um acordo de paridade de gênero e há muitos filmes dirigidos por mulheres. Essa é uma pauta que lhe interessa?

A igualdade de gêneros, a luta por oportunida­des, equivalênc­ia salarial, tudo isso é indiscutív­el, mas não me vejo votando no melhor filme pelo gênero. Espero que nosso júri escolha o melhor filme, independen­temente de gênero, que seja de homem ou mulher. Um filme que nos inspire, emocione, arrebate. Na hora da escolha, o gênero não é prioritári­o.

E a política?

Berlim tem a tradição da seleção política. E pode até ser que não vença o melhor filme, mas aquele que melhor encarne o espírito da época, as questões que valem a pena discutir. E aqui também é preciso ressaltar. Tem de ser um bom filme, tem de alimentar uma discussão que não seja só política, mas também estética, porque estamos falando de arte. Já trabalhei com grandes diretores que estavam se expressand­o politicame­nte, mas acima de tudo eram artistas, mestres de seu ofício. Esse é o ponto. Pretendo votar com a cabeça e o coração. E sem entrar em detalhes, já vi filmes que mexeram muito comigo.

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ADAM BERRY/EFE/EPA Presidente do júri. Binoche mostra no festival o filme ‘Who You Think I Am’

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