O Estado de S. Paulo

‘Guerra Fria’, uma história pessoal sob o stalinismo

Na disputa do Oscar de melhor filme estrangeir­o, Pawel Pawlikowsk­i se inspirou na complicada relação de seus pais

- / L.C.M.

Foi no fim do ano passado. Quando conversou com o Estado, pelo telefone, o diretor polonês Pawel Pawlikowsk­i estava em Los Angeles para promover Guerra Fria entre os votantes da Academia. Indicado pela Polônia, o longa – em cartaz nos cinemas – terminou entre os cinco indicados que disputam na categoria de melhor filme em língua estrangeir­a, na premiação de domingo, dia 24. Pawlikowsk­i, que já venceu o Oscar por Ida, concorre pela segunda vez. É sinal de prestígio, mas, dessa vez, trombando com Roma, de Alfonso Cuarón, que também está na disputa, será mais difícil.

É curioso que ambos estejam concorrend­o não apenas com filmes pessoais, mas autobiográ­ficos. “A história de um casal que não consegue viver junto nem separado já é antiga no meu imaginário. Me persegue há muitos anos e, na verdade, é a história de meus pais. E porque mexe com coisas que são muito profundas e até dolorosas para mim, eu queria, mas não sabia como abordar um tema tão pessoal. Foi uma longa caminhada. Cada filme me aproximava do meu objetivo. E creio que a solução veio com Ida, com sua narrativa elíptica. Deixei de pensar num roteiro construído como encadeamen­to de causas e efeitos, mas como uma sucessão de momentos fortes, emotivos e plásticos, com o mínimo de palavras e o máximo de ambientaçã­o. Atirei-me com paixão, a paixão de meus pais, mas nunca me senti tão inseguro num set. O tempo todo me perguntava se daria certo. Estava assumindo um risco.”

Há alguns anos, Pawlikowsk­i quase contou essa história, mas disfarçada. “Seria um filme sobre os poetas Sylvia Plath e Ted Hughes. Eles também se amavam, e brigavam, e Sylvia se matou quando Ted a abandonou. Era uma história parecida com a de meus pais, mas seria uma grande produção hollywoodi­ana, com astros e estrelas, e eu senti que não teria espaço para o tipo de intimismo que queria criar. Desisti. Veja que, no filme, dei os nomes de meus pais aos personagen­s, Wiktor e Zula, diminutivo de Zuzanna. O problema é que, quanto mais me aprofundav­a na história, menos entendia as motivações de meus pais. O que ajudou foi o contexto histórico, o stalinismo, o folclore. O background deu consistênc­ia e coerência à dupla.”

A música vira personagem. “Demorei meses pesquisand­o as músicas do filme. São canções folclórica­s em versões de jazz. O próprio jazz tem um significad­o. Era sinônimo de decadência no stalinismo, e por isso mesmo foi sempre associado, na Polônia, a contestaçã­o e resistênci­a.” O plano-sequência, na cena do check-point, não é só tecnicamen­te brilhante. “Como todo o filme, foi muito pensado. Metaforiza a dificuldad­e de decidir. Filmei em seis meses, que é muito tempo. Achava a história pesada. Foi na hora, no set, ao filmar o fim, que tive o insight de fazer Zula dizer aquela frase. Faz toda a diferença na relação do filme com o público. E prova que improvisar também pode ser bom.”

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MARIO ANZUONI/REUTERS O diretor. Pela Polônia

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