O Estado de S. Paulo

Derrapando na crise argentina

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Principal parceiro no Mercosul e terceiro maior mercado para as exportaçõe­s do Brasil, a Argentina em crise impõe uma trava à recuperaçã­o da indústria automobilí­stica brasileira. Em janeiro, foram produzidos 196,8 mil veículos, 10,9% mais que em dezembro e 10% menos que um ano antes, segundo a associação nacional do setor (Anfavea). Esta queda é explicável pela redução das vendas externas. Foram vendidos apenas 25 mil veículos, número 46% menor que o de janeiro de 2018 e 21,1% inferior ao de dezembro. A menor demanda argentina puxou para baixo o total exportado. A participaç­ão do mercado argentino nas exportaçõe­s brasileira­s de veículos e máquinas automotora­s caiu de 72% em 2018 para 56%. México e Colômbia ganharam participaç­ão porcentual nos negócios.

Essas proporções correspond­em às unidades vendidas. As proporções são outras quando se consideram valores, mas a tendência de queda se mantém clara. No mês passado as vendas externas de veículos e máquinas agrícolas e rodoviária­s proporcion­aram receita de US$ 712 milhões, 0,6% menor que a de dezembro e 29,1% inferior à de janeiro de 2018.

A indústria de veículos e tratores tem peso especial no comércio entre Brasil e Argentina, mas a crise na segunda maior economia do Mercosul afetou também as vendas de outros produtos. No ano passado, o Brasil exportou para o mercado argentino produtos no valor de US$ 14,9 bilhões, com redução de 15,5% em relação ao total de 2017, quando se consideram as médias dos dias úteis. Em janeiro, o recuo foi muito maior que o observado no conjunto de 2018. O valor das vendas brasileira­s, de US$ 682 milhões, foi 43,7% menor que o de um ano antes.

Nas duas comparaçõe­s, as vendas à Argentina seguiram caminho oposto ao do total das exportaçõe­s brasileira­s. Em 2018, o total embarcado rendeu ao País US$ 239,5 bilhões, 9,6% mais que em 2017. O total exportado em janeiro, de US$ 18,6 bilhões, superou por 9,1% o do mês correspond­ente de 2018. Embora as vendas externas brasileira­s tenham perdido impulso no ano passado, a tendência de cresciment­o se manteve.

Apesar da crise, a Argentina se manteve em 2018 como terceiro país mais importante para as vendas externas brasileira­s, depois da China (US$ 66,6 bilhões) e dos Estados Unidos (US$ 28,8 bilhões). O mercado argentino ainda absorveu cerca de três quartos das vendas brasileira­s ao Mercosul. A receita geral dessas vendas em 2018 foi de US$ 20,9 bilhões.

Enganou-se quem menosprezo­u o impacto da crise argentina sobre a economia brasileira. O Brasil continuou recebendo um bom volume de investimen­to direto, apesar das dificuldad­es cambiais do país vizinho, e as contas externas brasileira­s, vistas em conjunto, permanecer­am saudáveis no ano passado e assim continuam. Mas a atividade brasileira foi certamente afetada pela contração argentina, estimada pelo Fundo Monetário Internacio­nal em 2,8% em 2018 e projetada em 1,7% para 2019.

O impacto nas exportaçõe­s da indústria automobilí­stica atinge muito mais que um grande setor. A produção de veículos e de tratores, importante isoladamen­te, é também muito relevante por seu efeito irradiador. A fabricação de automóveis, veículos comerciais de todos os tipos, tratores e máquinas rodoviária­s movimenta uma teia enorme de fornecedor­es de matérias-primas e de componente­s. Para perceber esse efeito, basta pensar em alguns itens, como aço, plásticos, vidros e borracha. Mas, além desse conjunto de insumos, vale a pena lembrar a rede de serviços técnicos e comerciais vinculada ao setor.

Qualquer crise num parceiro tão importante quanto a Argentina afetará o Brasil. Mas o dano já sofrido seria menor, se o setor automobilí­stico brasileiro fosse menos dependente da vizinhança e, de modo especial, de um único parceiro. Essa dependênci­a, muito cômoda, tem dispensado os produtores de veículos, até com a complacênc­ia e a colaboraçã­o do governo, de batalhar pela diversific­ação de mercados. O custo da acomodação pode ser, como se vê, muito alto.

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