O Estado de S. Paulo

A ascensão de Anna Maria Maiolino

Artista faz exposição em São Paulo, ganha retrospect­iva em Milão e uma mostra na Whitechape­l de Londres

- Antonio Gonçalves Filho

Artista reconhecid­a no meio internacio­nal, Anna Maria Maiolino abre amanhã uma exposição na Galeria Luisa Strina e segue em março para Milão, onde vai inaugurar a grande retrospect­iva dedicada a ela pelo Padiglione d’Arte Contempora­nea, espaço da Via Palestro que já organizou mostras de Lucio Fontana e Richard Long, entre outros. E, finalizand­o o ano, ela expõe também na galeria Whitechape­ll de Londres, que mostra agora telas de Jackson Pollock.

A exposição de Milão tem um significad­o especial para a artista, que nasceu na Itália (em Scalea, na Calábria) há 76 anos e veio para a América do Sul com apenas 12 anos. Anna Maria desembarco­u na Venezuela em 1954, fugindo da escassez de alimentos no pós-guerra. Lá estudou artes e chegou ao Brasil em 1961, logo se integrando ao grupo de artistas ligados à Nova Figuração. Em 1967, fez parte da histórica exposição Nova Objetivida­de Brasileira, no MAM do Rio, da qual participar­am Lygia Pape (1927-2004), Hélio Oiticica (1937-1980) e Antonio Dias (1944-2018), entre outros.

Alguns trabalhos dessa época estarão na retrospect­iva da artista em Milão. São obras figurativa­s carregadas de metáforas políticas que remetem à arte popular do cordel. Hoje, dividindo espaço na galeria Luisa Strina com o artista paulista Beto Shwafaty, de 42 anos, Anna Maria revê com bons olhos essa retomada de ação política numa época marcada pela intolerânc­ia e o irracional­ismo. Tanto que projetou para a retrospect­iva de Milão uma performanc­e, Al di la di, que toma emprestado o título de uma canção romântica de Emilio Pericoli para tratar do tema das migrações.

Anna Maria conhece bem o drama. Ela e a grande família (dez irmãos) emigraram para a Venezuela com passagem paga pelo governo venezuelan­o. Como era muito jovem, sua ligação com a América Latina é mais forte que com seu país de origem. A performanc­e programada para Milão, de certa forma, é uma resposta à tragédia de imigrantes em solo europeu. Nela, um garota enrolada em panos vermelhos dramatiza a situação de uma criança morta.

Há tempos que o trabalho da artista deixou de ser figurativo ou evocar eventos políticos, como na época da ditadura (o super-8 In-Out Antropofag­ia, de 1974). A exposição na galeria Luisa Strina reúne apenas obras recentes (de 2012 em diante), desenhos e esculturas em que a gestualida­de predomina. Essa concentraç­ão no trabalho manual, em que o gesto repetido fica registrado na argila, conquistou o público alemão na instalação Here and There, que a artista montou na Documenta de Kassel de 2012, ocupando a casinha de um jardineiro num parque com peças de argila que tanto lembravam pãezinhos como dejetos. “Tinham a ver com ambivalênc­ia, com a correspond­ência entre o lado externo e interno da casa, o conceito de Deleuze de identidade e diferença”, diz a artista, reafirmand­o o valor da diferença por sua natureza rebelde em relação ao pensamento clássico.

Obras populares de Anna Maria Maiolino são marcadas por essa introspecç­ão caseira, pelas relações familiares, de Anna (1967), xilo em que duas figuras evocam lápides (os pais), a Por um Fio (1976), em que ela, a mãe e a filha são unidas por um fio de macarrão. Criou, enfim, um léxico feito de linhas e formas embrionári­as que guardam a memória da ancestrali­dade. Quem pensou na argila bíblica não está de todo errado.

ANNA MARIA MAIOLINO

Galeria Luisa Strina. R. Padre João Manuel, 755, tel. 3088-2471. 2ª a 6ª, 10h/19h; sáb., 10h/17h. Abre 5ª (14), 19h. Até 23/3

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NILTON FUKUDA/ESTADÃO
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GALERIA LUISA STRINA Marca. No desenho ou na escultura Anna Maria Maiolino usa a repetição do gesto como matriz

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