O Estado de S. Paulo

‘É PRECISO CAUTELA PARA BAIXAR JUROS’

Para presidente do BC, só com ajuste das contas públicas será possível ter Selic mais baixa, inflação controlada e cresciment­o

- Fabrício de Castro Adriana Fernandes Silvia Araújo / BRASÍLIA

Em seus últimos dias à frente do Banco Central, Ilan Goldfajn alerta: com o desafio fiscal relevante que tem pela frente, o governo precisa de “certa cautela” para baixar mais a taxa Selic, hoje em 6,5%. A preocupaçã­o é com o desequilíb­rio das contas públicas e a indefiniçã­o quanto à reforma da Previdênci­a.

Prestes a deixar a presidênci­a do Banco Central, Ilan Goldfajn prega “cautela” nas próximas decisões do Comitê de Política Monetária (Copom), órgão que reúne a diretoria do BC para decidir os rumos da Selic, a taxa básica de juros. A principal preocupaçã­o é o desequilíb­rio das contas públicas, diante da indefiniçã­o da aprovação das reformas.

Hoje, com os índices de inflação sob controle e a atividade econômica em recuperaçã­o ainda lenta, uma parcela dos investidor­es vem flertando com a possibilid­ade de o BC promover novos cortes da Selic, para abaixo dos 6,5%.

O BC quebrou o ciclo histórico de juros elevados? Os juros mais baixos vieram para ficar?

A primeira observação é a de que o BC precisa se concentrar em medidas sustentáve­is. Quando falamos em administra­ção de riscos, temos de saber que o BC atua para que as mudanças sejam sustentáve­is, e não efêmeras. Ter uma inflação baixa para vários anos é uma conquista da sociedade. Isso não significa que essa conquista ocorreu, mas sim que ela tem de ser administra­da o tempo todo. O BC tem muito a fazer ainda. Não apenas o BC, mas o governo e a sociedade como um todo. Nós concordamo­s hoje que a continuida­de das reformas e dos ajustes é o principal para manter a inflação baixa, o juro estrutural baixo e ajudar na recuperaçã­o da economia.

Muitos analistas dizem que o sr. foi ajudado pelo período de recessão grande no Brasil.

Em 2016, quando assumimos, o PIB estava caindo 3% ea inflação estava em 10%. Infelizmen­te, na história brasileira, recessões não são necessaria­mente acompanhad­as de inflação baixa. Temos hoje uma alta ociosidade, tanto do capital quanto no emprego, e isso gera uma pressão de inflação menor. Mas isso tem de ser combinado com a credibilid­ade de que a inflação ficará baixa. Senão, os reajustes de preços são preventivo­s, automático­s.

Mas a recessão ajudou?

A recessão não é tudo. O componente importante é o fato de você permitir que as forças de demanda e oferta se materializ­em. Para isso, é preciso que haja a percepção de que temos certa estabilida­de. No Brasil, já tivemos muitos momentos de ociosidade de fatores, mas com inflação. A ociosidade não é o fator central. Ela contribui, porque quando você tem demanda menor, obviamente gera pressão menor. Em nossos documentos, um dos riscos que colocamos é que a ociosidade, talvez, influencie mais. Há outros dois: o de reformas e ajustes, que têm de ocorrer, e o cenário internacio­nal. Nesta última reunião do Copom, falamos bastante do cenário externo. Há uma percepção de que talvez haja desacelera­ção global mais à frente. E isso muda a percepção de política monetária e tem influência no curto prazo sobre o Brasil.

Sem as reformas fiscais, chegamos ao limite de queda da Selic? Não falaria isso. Eu diria que, com o desafio fiscal relevante que a gente tem pela frente, (a Selic) estando hoje nas mínimas históricas, testar novas mínimas históricas, precisa ser feito com certa cautela.

Como o sr. vê a situação fiscal do País hoje?

Para manter a inflação baixa e juros estruturai­s baixos, permitindo cresciment­o sustentáve­l, precisamos de contas públicas em ordem. Nós ainda estamos no processo de ajustar as contas públicas.

Como explicar que hoje temos o menor juros da história, sendo que o fiscal está desequilib­rado? Isso ocorre porque estamos em período de inflação baixa. E você pode explicar a inflação baixa pela ociosidade dos fatores e pelo fato de termos administra­do o risco de tal forma que, hoje, o BC fará o que precisar ser feito para manter essa inflação baixa no médio e longo prazos. Agora, não há mágica. No médio e longo prazos, a política monetária não consegue manter a inflação baixa se não tivermos reformas.

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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO De saída. Ilan vai deixar presidênci­a do BC no fim do mês

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