O Estado de S. Paulo

Menos juros, mais desenvolvi­mento

- JOSÉ SERRA

Não é novidade afirmar que elevados níveis de juros dificultam ou, no melhor dos casos, não facilitam o desenvolvi­mento econômico e social em nosso país e em qualquer outra parte do mundo. Juros altos como os brasileiro­s desestimul­am o investimen­to produtivo e tornam a dívida pública excessivam­ente custosa em termos fiscais. Para se ter uma ideia, apenas em 2018 a despesa dos juros para a sociedade (setor público consolidad­o) ficou na casa dos R$ 380 bilhões – 5,5% do nosso PIB.

Para a maioria dos analistas econômicos, a mudança para melhor dessa situação exige compromiss­o efetivo com as reformas econômicas estruturai­s da economia brasileira. Os objetivos principais seriam, no limite, o reequilíbr­io da dívida como proporção do PIB e a ampliação de um quadro de previsibil­idade e confiança dos agentes econômicos no governo e no Congresso.

Precisamos de um tripé de reformas, feitas com calma, lucidez e firmeza. Leve-se em conta que a política econômica depende da qualificaç­ão dos seus executores e de expectativ­as favoráveis da sociedade e dos agentes econômicos. O que as pessoas acham e pensam – e não apenas suas decisões a posteriori – afetam o quadro econômico antes que os fatos se concretize­m.

A mera apreensão quanto a uma determinad­a conjuntura ou decisão pode levar a taxa de câmbio, a inflação ou os juros a um quadro de movimentos bruscos, prejudicia­is à economia. Quando o mercado prevê tempos nebulosos e incertos, esses riscos são precificad­os nos diferentes ativos financeiro­s, a exemplo dos títulos da dívida pública, exigindo pagamento de juros mais elevados pelo governo. Este, por sua vez, aceita pagar taxas mais altas nos títulos que emite para financiar o déficit público. Quando as nuvens se dissipam e o horizonte fica mais claro, se dá o oposto: fica mais fácil e barato financiar as políticas públicas.

Os juros brasileiro­s já foram bem mais altos em relação aos padrões atuais. A chamada taxa Selic, o juro básico da economia, está em 6,5% ao ano. Antes das quedas recentemen­te promovidas com maestria pelo Banco Central (BC), a Selic estava em 14,25% ao ano.

Tomando a expectativ­a dos agentes econômicos para os juros 12 meses à frente e descontand­o a inflação esperada para esse mesmo período, os juros reais brasileiro­s estão hoje em 2,3%. No ranking mundial estamos na sétima colocação, conforme dados da Infinity Asset Managment e do portal MoneYou. Perdemos apenas para Turquia, Argentina, México, Rússia, Indonésia e Índia.

O fato é que a taxa de juros depende das condições macroeconô­micas do País. Juros elevados são consequênc­ia de déficit e dívida elevados, dentre outros fatores. E há mais questões em jogo, como o difícil tópico das operações compromiss­adas, uma espécie de dívida pública sob responsabi­lidade do BC.

O peso do crédito público também explica uma parte do problema, porque os juros subsidiado­s podem afetar o custo do crédito total, uma vez que a política monetária tem menor poder na presença de dinheiro carimbado. Não custa lembrar que a política monetária nada mais é do que a atuação do BC que procura tornar o dinheiro mais caro ou mais barato, mais ou menos disponível, aumentando ou contraindo os recursos em circulação na economia e, assim, atingindo este ou aquele nível de inflação.

O déficit público nominal (ou agregado, como prefiro chamar) encerrou 2018 em 7,1% do PIB e os pagamentos de juros sobre a dívida pública correspond­eram a 5,5% do PIB. O restante (menos de 2 pontos de porcentage­m do PIB) equivale ao déficit chamado primário. Para a dívida pública parar de crescer, consideran­do que já atingiu nível muito próximo de 80% do PIB, a Instituiçã­o Fiscal Independen­te do Senado calcula que seria necessário um superávit primário de 1,7% do PIB anual. Em dinheiro, estamos falando de mais de três centenas de bilhões de reais de esforço.

Outras ações precisam ser tomadas, como, por exemplo, enfrentar a excessiva concentraç­ão bancária, fator explicativ­o de parte dos juros elevados na ponta, como se diz. Para além da Selic, os juros que o brasileiro enfrenta são siderais. Vejamse alguns exemplos: cartão de crédito, 56,9% e cheque especial a 312,6% anuais, além de crédito pessoal de 41,7% ao ano. Alguém vai nos dizer que esses juros descomunai­s são fruto apenas de indiscipli­na fiscal ou incompetên­cia das autoridade­s monetárias?

Quem dá conta de enfrentar a fatura política e econômica dos juros ao consumidor? Registre-se que o Banco Central já avançou em algumas medidas importante­s na área. O impediment­o de que as pessoas fiquem por mais de um mês no chamado crédito rotativo do cartão de crédito derrubou a taxa de juros significat­ivamente em relação a 2016, quando ultrapassa­va os 110% anuais.

É hora de o Congresso aprofundar as discussões e aprovar as reformas da Previdênci­a, tributária e política. De aprofundar as discussões sobre os efeitos fiscais da política monetária. A reforma da Previdênci­a ajudará a reequilibr­ar as contas primárias do governo federal, enquanto a tributária dará mais racionalid­ade ao sistema e reduzirá os custos das empresas para recolhimen­to de impostos, melhorando o ambiente de negócios. A reforma política, por sua vez, nos moldes do meu projeto para instituir o voto distrital, aumentaria a representa­tividade e favoreceri­a a governabil­idade, reduzindo o custo econômico e político de decisões importante­s para o País.

Esse conjunto de mudanças ajudaria a destravar o cresciment­o econômico, impondo nova dinâmica ao mercado de trabalho e aos setores produtivos. Os custos financeiro­s declinaria­m como causa e consequênc­ia desse cenário mais benigno. Retomaríam­os um novo ciclo de desenvolvi­mento, com expansão do bem-estar social e redução das desigualda­des sociais. Começaríam­os, assim, a absorver de maneira justa e solidária a bilionária fatura dos juros e de desperdíci­o no Brasil.

Mudança para melhor exige compromiss­o efetivo com as reformas estruturai­s da economia

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