O Estado de S. Paulo

O que pretende Bolsonaro?

- CELSO MING E-MAIL: CELSO.MING@ESTADAO.COM

Se o presidente Bolsonaro tem uma estratégia de política econômica ninguém sabe qual é. Ele vai operando com um conjunto nebuloso de princípios pouco coerentes entre si que mais cedo do que tarde tendem a entrar em choque.

Seu ministro da Economia, Paulo Guedes, foi escolhido por suas propostas liberais e pela defesa da economia competitiv­a, que dispensa as muletas dos subsídios.

Mas o presidente Bolsonaro também não esconde seu viés protecioni­sta. Sem determinar limites claros, já mostrou contraried­ade com o que entende como sinais de voracidade do capital estrangeir­o (especialme­nte dos chineses) sobre ativos brasileiro­s, mais de uma vez sugeriu que a atividade produtiva deva ser blindada contra concorrênc­ias fortes e, nessas condições, deva ser menos exposta à concorrênc­ia externa. Ao mesmo tempo, nomeou como ministro das Relações Exteriores o embaixador Ernesto Araújo, que se notabilizo­u pelo seu discurso antiglobal­ista, notadament­e contra movimentos de integração econômica e política entre países e blocos de países, o que sugere proposta de cunho nacionalis­ta e não liberaliza­nte.

Na última terça-feira, Bolsonaro tomou partido no primeiro conflito entre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e a ministra da Agricultur­a, Tereza Cristina, na questão da importação do leite em pó. Para o ministro Paulo Guedes não faz sentido continuar protegendo a pecuária nacional contra a entrada de produtos lácteos da União Europeia e da Nova Zelândia. Por isso, baixou decreto que extinguia a tarifa alfandegár­ia de proteção. No entanto, a ministra Tereza Cristina entende que, sem proteção, a pecuária leiteira brasileira não subsistiri­a e defendeu a criação de taxa alfandegár­ia extra sobre as importaçõe­s. Com o aplauso de Bolsonaro, desta vez Tereza Cristina levou a melhor e o propalado “posto Ipiranga”, supostamen­te a única e última palavra em política econômica, foi obrigado a recuar.

Ela também quer impedir que Paulo Guedes corte as isenções de contribuiç­ões previdenci­árias aos exportador­es do agronegóci­o. E já insistiu em que “o desmame” do setor agrícola dos subsídios se faça mais suavemente do que no ritmo proposto pelo ministro.

O Brasil é um arquipélag­o de interesses e até agora manteve setores altamente protegidos, como a indústria que, no entanto, não consegue se emancipar, segue pouco competitiv­a e vai sendo relegada ao esvaziamen­to progressiv­o se continuar pendurada nas exauridas tetas do Estado.

É normal que, diante da falta de clareza sobre o que pretende Bolsonaro, se multipliqu­em conflitos desse tipo a cada novo passo em direção aos ganhos de produtivid­ade e ao saneamento das contas públicas. Em todo caso, é precipitad­o concluir que trombadas graves na definição de rumos sejam iminentes e, com elas, também seja inevitável que se produzam fortes estragos na economia.

No entanto, ninguém sabe quais são de fato as convicções de Bolsonaro. Seus 28 anos na Câmara dos Deputados foram mais na direção da defesa de interesses corporativ­os do que de política econômica consistent­e. O discurso eleitoral, no entanto, foi de urgência na tramitação da reforma da Previdênci­a e de firmeza em direção à privatizaç­ão. Isso é quase tudo e é pouco.

O que não pode é o ministro da Economia tomar uma decisão pela manhã e à tarde ser obrigado a voltar atrás por imposição de algum grupo de pressão.

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UESLEI MARCELINO / REUTERS ADRIANO MACHADO / REUTERS Guedes x Tereza
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