O Estado de S. Paulo

O estrangeir­o aguarda

- E-MAIL: ZEINA.LATIF@TERRA.COM.BR ZEINA LATIF ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMEN­TOS

Tem sido bastante frequente a avaliação de que a reforma da Previdênci­a trará um ganho de confiança que irá se traduzir em maior interesse por investimen­tos no País. Há exageros nesta análise.

Não há dúvidas sobre a melhora da confiança diante de uma reforma que traga uma perspectiv­a de eliminação do rombo das contas públicas e estabiliza­ção do regime fiscal. Este é o passaporte para o Brasil ingressar na fase adulta, superando sua prolongada adolescênc­ia. Daí a rapidament­e colhermos os frutos em termos de investimen­to e cresciment­o são outros quinhentos.

Começando pelos investidor­es estrangeir­os, os dados sugerem que não serão eles os líderes da retomada do investimen­to. Pelo contrário. Eles geralmente aguardam a economia ganhar tração para aumentar a presença no País. A perda do grau de investimen­to atrapalha.

Além disso, é pequena a participaç­ão do investimen­to direto estrangeir­o no investimen­to total, possivelme­nte menos de 10%, quando se leva em conta que os investimen­tos em planta nova (greenfield­s) representa­m em torno de 25% do total (média mundial).

A ideia de que o fim das incertezas eleitorais será impulso para o investimen­to dos estrangeir­os não é respaldada pelos fatos. Este não parece ser muito afetado pelo ciclo político. Há um interesse crescente dos estrangeir­os, mas ainda em estágio inicial, na busca de maior compreensã­o da agenda econômica do novo governo.

Importante mencionar que o ambiente internacio­nal não é dos melhores. A desacelera­ção econômica e do comércio mundial e as expectativ­as mornas para os preços de commoditie­s vêm reduzindo o fluxo de investimen­to direto no mundo. Segundo a Conferênci­a das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvi­mento (Unctad), houve queda de 19% em 2018. O recuo de 40% do investimen­to direto da China foi destaque. Aquele país passa por um ciclo de desacelera­ção, reduzindo o apetite por investimen­to no exterior.

O movimento acabou prejudican­do o Brasil. Segundo reportagem do Valor Econômico, com base em dados do Ministério da Economia, o investimen­to direto chinês caiu 75% em 2018.

Improvável haver uma reversão do quadro internacio­nal rapidament­e.

E o investimen­to dos empreended­ores locais? Haverá tração suficiente para puxar o PIB? Há forças nos dois sentidos, e o efeito líquido será possivelme­nte tímido por um tempo.

Do lado positivo, há os planos de concessões de infraestru­tura e o leilão de cessão onerosa do pré-sal. O alerta é que a tradução desses programas em investimen­to físico leva tempo. Não é para 2019.

As perspectiv­as para a construção civil são (moderadame­nte) positivas, por razões cíclicas - menor vacância em alguns segmentos, redução da inadimplên­cia e os juros em queda - e estruturai­s - aprovação da lei do distrato em 2018 visando a reduzir a inseguranç­a jurídica quando o comprador desiste da aquisição do imóvel já em construção, e as medidas do Banco Central para ampliar o crédito imobiliári­o.

Jogam contra a elevada ociosidade na economia e a frágil situação financeira de muitas empresas.

O principal entrave é o difícil ambiente de negócios, incluindo a elevada inseguranç­a jurídica, tema pouco discutido no governo. Tem havido equivocada ênfase na defesa de grandes obras públicas, como o investimen­to em Angra 3 e na Amazônia. O sinal não é bom.

O que é necessário mesmo é destravar o investimen­to privado. Para isso será necessário um programa focado na arrumação da confusão regulatóri­a e legal do País, uma agenda já iniciada no governo anterior.

Um exemplo dramático é o saneamento. Há 49 agências, nas 3 esferas de governo, que definem as regras do setor, sendo que não há definição clara de atribuiçõe­s e uniformida­de de processos. O resultado é que quase metade da população não tem acesso a coleta de esgoto.

Ainda não sabemos qual será a agenda econômica após a reforma da Previdênci­a. Ela permitirá saber se poderemos nos tornar nos próximos anos adultos responsáve­is ou seremos do tipo que depende de mesada dos pais.

A dúvida é se o país se tornará adulto responsáve­l ou se vai depender de mesada dos pais

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