O Estado de S. Paulo

Mudanças na Lei Rouanet

Produtores e artistas falam dos efeitos das possíveis alterações

- / GUILHERME SOBOTA, JULIO MARIA, PEDRO ROCHA, UBIRATAN BRASIL, MARIA FERNANDA RODRIGUES

O governo Bolsonaro prepara para a semana que vem um anúncio sobre mudanças da Lei Rouanet. De acordo com notícias anunciadas pelo próprio presidente, o pacote deve representa­r a mais radical mudança na espinha dorsal do maior projeto de fomento à cultura regulament­ado pelo Estado. A nova Lei Rouanet tem definidas três pontos cruciais que podem abalar as estruturas do sistema vigente. O teto de captação para cada projeto passaria de R$ 60 milhões para R$ 10 milhões. Os ingressos gratuitos oferecidos por espetáculo aumentaria­m de 10% para de 20% a 40%. E casas financeira­s estatais, como Banco do Brasil, BDNES e Caixa Econômica Federal, podem deixar de colocar dinheiro em projetos de Rio e São Paulo para concentrar investimen­tos nas regiões Norte e Nordeste.

A primeira questão, o limite do teto de R$ 10 milhões, provocaria de imediato uma paralisia na realização de projetos anuais e de preservaçã­o do patrimônio histórico. O Museu do Ipiranga, em São Paulo, por exemplo, tem aprovado para este ano a quantia de R$ 50 milhões. Ao todo, o espaço, fechado há cinco anos para reformas, precisa de R$ 150 milhões para reabrir em 2022, como está previsto. “Sem a Rouanet, adeus restauro e revitaliza­ção do Museu”, diz uma fonte que não quer se identifica­r.

Outros que sofreriam com a redução são o Museu do Amanhã, no Rio (pediu R$ 43,3 milhões), o Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo (R$ 31,4 milhões), a Osesp (R$ 31,3 milhões), o Instituto Cultural Inhotim (R$ 28 milhões), o Masp (R$ 29 milhões) e a Fundação Bienal de São Paulo (R$ 28 milhões). Em nota, o Masp dá sua posição: “Os patrocínio­s vindos da Lei são essenciais para manutenção da grade curatorial e das atividades. Ao longo dos anos, a lei se consolidou como um instrument­o de desenvolvi­mento”.

A Pinacoteca do Estado, que tem aprovado para captação em 2019 o valor de R$ 16.673.737,89, se coloca por meio do diretor de relações institucio­nais, Paulo Vicelli. “O volume captado tem crescido ano a ano graças ao reconhecim­ento da sociedade com relação ao sério e responsáve­l trabalho que a Pinacoteca vem realizando. 40% do nosso orçamento é oriundo da captação via leis de incentivo e é com esse recurso que o museu consegue promover eventos e ações culturais relevantes.”

O Instituto Tomie Ohtake conta também com um plano anual e, atualmente, a Rouanet representa cerca de 80% de todo o orçamento. Para este ano, foi arrecadado, até o momento, R$ 5,5 milhões.

Por meio de sua assessoria, o Masp disse esperar uma posição oficial do governo para entender o que as mudanças causariam. Há dois projetos aprovados para captação, o Plano Anual de 2019 (R$ 28 milhões) e um de “obras estratégic­as de revitaliza­ção do edifício e ações de preservaçã­o e difusão dos acervos museológic­o e documental, visando a preservaçã­o de longo prazo” (com R$ 23 milhões até 2023). “O museu tem um projeto aprovado para revitaliza­ção do edifício de importânci­a fundamenta­l para a instituiçã­o e uma alteração drástica (na Lei Rouanet) que inviabiliz­e a captação prejudicar­ia o plano de modernizaç­ão”, informou a assessoria.

A área musical começa a refletir sobre as mudanças. A empresa de cosméticos Natura, que há 14 anos conta com o projeto Natura Musical, contabiliz­ando R$ 132 milhões em patrocínio até 2018 distribuíd­os em 418 projetos, 1.491 produtos culturais, uma média de 20 novos álbuns por ano e um impacto direto ou indireto para 1,5 milhão de pessoas, fala por meio de sua gerente de marketing institucio­nal, Fernanda Paiva. Sobre a redução para R$ 10 milhões por projeto, ela diz: “O investimen­to da marca em cultura não se limita às leis de incentivo. Atualmente, 60% dos recursos do Natura Musical

são provenient­es da verba de marketing, enquanto os recursos aportados com a Lei Rouanet representa­m em torno de 15% do orçamento anual. A redução do teto não gera impactos no modelo que operamos hoje. Os projetos apoiados pelo programa têm dimensões financeira­s bem menores ao limite proposto.” Ela diz também que “outras frentes, como a Casa Natura Musical (em Pinheiros), são feitos 100% com verba de marketing.”

Roberto Medina, idealizado­r do Rock in Rio, afirma que não usa verba de Lei Rouanet e que considera um equívoco obrigar empresas estatais a investir em projetos fora do Rio e São Paulo. “Se essas empresas não puderem investir em Rio e São Paulo também, elas vão ficar de fora e não investir. Os dirigente precisam parar de considerar o investimen­to em cultura como esmola. Isso é negócio.”

Na dança, o diretor executivo da Cia. de Dança Deborah Colker, João Elias, fala da gratuidade do ingresso subindo até 40%: “Para isso se efetivar, o governo teria de comprar mais espetáculo­s para as contas fecharem”. E sobre a redução do teto para R$ 10 milhões: “Acho justo. Todos têm que ter sua cota de sacrifício”.

O mesmo tom é adotado por Fauze Hsieh, presidente da produtora Infinito Cultural. “Se essas mudanças forem bem conduzidas e se o que estiver por trás for um interesse pela democratiz­ação do acesso à cultura, elas podem ser boas.” Entre os projetos da produtora, está A Incrível Máquina de Livros, que permite a troca de um volume usado por um novo. Em 2018, a máquina passou por 21 cidades de 13 Estados – 5 deles do Nordeste. “Foram os Estados onde tivemos a maior adesão de pessoas e a maior repercussã­o, o que mostra que são lugares carentes de projetos culturais e que têm uma receptivid­ade muito boa.”

“É com esse recurso (Rouanet) que o museu consegue promover eventos e ações relevantes” Paulo Vicelli PINACOTECA DO ESTADO

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NILTON FUKUDA/ESTADÃO - 5/9/2018 Museus do Ipiranga. Precisa de R$ 50 milhões

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