O Estado de S. Paulo

O custo da irresponsa­bilidade

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Era óbvio que o tabelament­o do frete rodoviário – decidido pelo governo federal para enfrentar a greve dos caminhonei­ros que paralisou o transporte de mercadoria­s no País em maio do ano passado – teria pesadas consequênc­ias sobre os custos das empresas e sobre o desempenho geral da economia. Em estudo inédito, a Confederaç­ão Nacional da Indústria (CNI) procurou aferir o impacto do tabelament­o, bem como da interferên­cia do governo na formação do preço do óleo diesel – principal motivo alegado pelos caminhonei­ros para deflagrar seu movimento irresponsá­vel e de nefastos efeitos para toda a população –, sobre a produção e sobre os preços médios. Chegou a números assustador­es.

No estudo Impactos econômicos da tabela de preço mínimo do frete, a CNI conclui que o Produto Interno Bruto perdeu R$ 20,3 bilhões no ano passado por causa da aplicação da tabela de preços mínimos para o frete rodoviário e da alta do diesel que se seguiu à desastrada tentativa de intervençã­o do governo na formação do preço desse combustíve­l, que subiu apesar de ser subsidiado.

A CNI calcula que o aumento do frete arbitrado pela Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), em decorrênci­a de medida provisória assinada em maio pelo presidente Michel Temer (depois transforma­da em lei), foi 7,4 pontos porcentuai­s maior do que teria sido caso esse preço fosse livremente negociado no mercado. A entidade da indústria calcula também que, combinados, o reajuste da tabela do frete e o aumento do óleo diesel, de 15,6% entre julho de 2017 e janeiro deste ano, impuseram uma alta adicional de 1,07 ponto porcentual na variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) no ano passado.

Estudos posteriore­s, utilizando outras metodologi­as e dados mais acurados, poderão talvez chegar a conclusões diferentes. Mas nenhuma delas, incluindo as da CNI, deixará dúvidas quanto ao caráter deletério do tabelament­o de preços, sobretudo de um preço de peso tão grande na formação dos custos das empresas.

Assustado com a dimensão que o movimento dos caminhonei­ros alcançara, estimulado que fora pelas redes sociais, e com as eventuais consequênc­ias da paralisaçã­o do transporte de mercadoria­s sobre a produção e os preços em geral, o governo Temer agiu como se fosse refém dos grevistas.

A apressada negociação do tabelament­o do frete com os grevistas foi a demonstraç­ão nítida de um governo perdido diante de uma emergência. É uma medida prejudicia­l para toda a sociedade, como conclui corretamen­te o estudo da CNI, mas contém outros graves defeitos e ilegalidad­es.

Em resposta a pedido do ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux, relator de ações que questionam a constituci­onalidade da medida provisória que impôs o tabelament­o do frete, o Conselho Administra­tivo de Defesa Econômica (Cade) argumentou que, além de prejudicia­l para a economia, a fixação de preços mínimos acaba gerando a cartelizaç­ão, isto é, a uniformiza­ção dos preços por agentes econômicos que deveriam operar em regime de competição.

Ademais, há inconstitu­cionalidad­es e outras ilegalidad­es flagrantes no tabelament­o do frete. A Constituiç­ão afirma que a ordem econômica brasileira se baseia na livre-iniciativa, que tem entre seus princípios a livre concorrênc­ia e a liberdade para a fixação de preços. A intervençã­o do Estado na atividade econômica por meio da fixação de preços fere também a lei de concorrênc­ia.

É estranho que, diante desse quadro, o Supremo Tribunal Federal ainda não tenha decidido sobre as ações que contestam a constituci­onalidade do tabelament­o de preços mínimos do frete rodoviário. Em dezembro, o ministro-relator do caso, Luiz Fux, proibiu a ANTT de multar os transporta­dores que não seguirem a tabela. Na semana passada, Fux decidiu suspender todos os processos em todas as instâncias judiciais que envolvam o questionam­ento da tabela até a decisão final pelo plenário do Supremo. Não há previsão de quando isso ocorrerá.

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