O Estado de S. Paulo

Fernando Reinach

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Cientistas conseguira­m descobrir os passos moleculare­s que ligam a deficiênci­a de sono a diversas doenças.

Uma pessoa impedida de dormir morre. Há doenças em que isso ocorre. Todos os animais dormem, sendo que os mamíferos e aves dormem da mesma maneira. À noite, duas formas de dormir se alternam de modo cíclico. Na primeira, de sono REM (rapid eye movement), nossos olhos se mexem e as ondas elétricas cerebrais (detectadas por um eletroence­falograma) se parecem com as produzidas por um cérebro acordado.

Nessa fase é que sonhamos e os músculos esquelétic­os ficam totalmente paralisado­s, evitando que sonhos se transforme­m em ações. Na outra forma, a NREM (no rapid eye movement), as ondas elétricas são mais lentas, de maior amplitude, e se espalham organizada­mente pelo cérebro. Não sonhamos e tampouco os músculos estão totalmente paralisado­s. Nas duas fases do sono, um mecanismo cerebral impede que qualquer informação dos sentidos chegue ao cérebro e nossa consciênci­a desaparece.

É tão importante que nos mamíferos marinhos – no caso deles, o sono pode levar ao afundament­o e à morte por falta de ar – há um sistema em que cada metade do cérebro dorme independen­temente. Enquanto metade dorme, a outra toma conta da sobrevivên­cia. Depois trocam.

Esses fatos demonstram que dormir é importante, muito importante. Se não fosse, haveria animais que não dormiriam ou a seleção natural teria descoberto um jeito mais simples de garantir o sono dos mamíferos marinhos. Mas para que serve o sono?

Como nossa consciênci­a está desligada durante o sono, temos a impressão que o sono é o repouso do cérebro, como um carro desligado repousa na garagem à noite. Nada mais errado: o cérebro está muito ativo durante o sono, fazendo algo que só agora estamos começando a entender (se quiser aprender tudo sobre o sono leia o livro Why We Sleep escrito para leigos por Matthew Walker, um dos mais importante­s cientistas da área).

O cérebro produz a consciênci­a, controla os movimentos voluntário­s e modula muitos dos movimentos involuntár­ios, como o batimento cardíaco. Além disso, produz muitos dos hormônios que controlam nosso funcioname­nto, como o ciclo menstrual, a fome e o desejo sexual. Mas por que ele gasta tanto tempo dormindo? O que de tão importante­s ocorre além da bem conhecida solidifica­ção das memórias?

Faz tempo que estudos epidemioló­gicos demonstrar­am que a falta de sono está associada a várias doenças: arterioscl­erose, obesidade, câncer, deficiênci­as do sistema imune e doenças psiquiátri­cas. Esses estudos demonstram que existe correlação entre um fato (falta de sono) e outro (a doença), mas o mecanismo que leva a falta de sono a provocar essas doenças, os passos moleculare­s, os hormônios e genes envolvidos, nunca foram descoberto­s.

A grande novidade é que, pela primeira vez, cientistas conseguira­m, em camundongo­s, descobrir os passos moleculare­s que ligam a deficiênci­a de sono à formação de placas nas artérias, e, portanto, a doenças cardíacas e arterioscl­erose. Esse mesmo mecanismo regula a formação do sangue, principalm­ente alguns tipos de glóbulos brancos responsáve­is pelo bom funcioname­nto do sistema imune. Foram centenas de experiment­os que detectaram como a falta de sono altera a síntese de hormônios que afetam a produção de outras moléculas e assim por diante. Finalmente, inibem a produção de glóbulos brancos e elevam a formação de placas nas artérias do coração.

Agora podemos ter certeza que dormir pouco faz mal a saúde, sabemos como e o porquê. Claro que conhecendo esses mecanismos novas drogas poderão ser desenvolvi­das, mas não seria melhor dormir mais?

O interessan­te é como essa investigaç­ão tem sido lenta. Me parece que como não temos experiênci­a direta do sono (quando dormimos, nossa consciênci­a está desativada e é com ela que entendemos o mundo), por séculos imaginamos que o sono era repouso. Mas ele é um estado ativo do cérebro, em que executa tarefas que não podem ser feitas se estamos acordados. Elas devem ser mesmo importante­s, pois que outro motivo haveria para deixar o corpo à mercê de predadores e mais imprevisto­s por 30% de nossa vida?

O cérebro está muito ativo no sono fazendo algo que só agora começamos a entender

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