O Estado de S. Paulo

Momento crucial

- LUIZ FELIPE D’AVILA FUNDADOR DO CENTRO DE LIDERANÇA PÚBLICA (CLP), É AUTOR DO LIVRO ‘10 MANDAMENTO­S – DO PAÍS QUE SOMOS PARA O BRASIL QUE QUEREMOS’

Na vida de uma nação há sempre momentos cruciais em que as crenças e os valores da pátria são postos à prova. A batalha pela reforma da Previdênci­a é um desses momentos. Ela testará nossa coragem de sepultar o País dos privilégio­s e edificar o Brasil onde todos serão tratados de maneira igual perante a lei. A batalha pela aprovação da reforma da Previdênci­a será dura, árdua e longa. Por isso o governo precisa estar preparado para atuar em três frentes: comunicaçã­o, articulaçã­o política e neutraliza­ção de sabotadore­s.

A comunicaçã­o tem de focar numa mensagem positiva e compreensí­vel para mobilizar os brasileiro­s. A sociedade não vai pressionar o Congresso para votar um tema pouco palpitante, como a necessidad­e de reformar a Previdênci­a para equilibrar as finanças públicas. As pessoas só irão às ruas defender a reforma e pressionar os parlamenta­res se compreende­rem que o sistema previdenci­ário é um antro de privilégio­s que tira dinheiro do nosso bolso, da saúde e da educação para sustentar uma casta de nababos do funcionali­smo público que recebem aposentado­ria 20 vezes maior do que a média do trabalhado­r brasileiro. O atual modelo previdenci­ário institucio­nalizou a desigualda­de social no Brasil. Não existe tamanho disparate em nenhum país civilizado, em que o povo e os mais pobres financiam a aposentado­ria milionária da elite do funcionali­smo público. Qual é a nação civilizada em que a massa de aposentado­s recebe em torno de R$ 1 mil por mês, enquanto uma minoria de juízes e parlamenta­res recebe mais de R$ 20 mil?

Portanto, a reforma da Previdênci­a precisa acabar com privilégio­s, atacar as desigualda­des e corrigir as injustiças do sistema. Ela tem de estabelece­r regras de idade e de teto do valor de aposentado­rias e pensões que sejam iguais para todos os brasileiro­s. Aqueles que desejarem ganhar mais do que o teto do INSS terão de contribuir para a sua própria aposentado­ria.

Além de combater privilégio­s e desigualda­des, o governo precisa mostrar que a reforma da Previdênci­a vai melhorar a vida das pessoas e a qualidade do serviço público. A criação de um fundo de investimen­to público para converter parte das economias da Previdênci­a em melhoria de serviços prioritári­os, como segurança e saúde, poderia ser um bom instrument­o para mostrar que a reforma trará ganhos efetivos para o cidadão. A melhoria do serviço público é tão importante quanto o combate aos privilégio­s para mobilizar os brasileiro­s em torno da reforma da Previdênci­a.

Mas para converter boas propostas em emenda constituci­onal é preciso conquistar votos no Congresso. A articulaçã­o política é uma peça-chave para a aprovação da reforma. Infelizmen­te, a ausência de articulado­res competente­s é o ponto fraco do governo. Primeiro, não há clareza de temas vitais. Bolsonaro e seus ministros lançam ideias para testar a reação da opinião pública e, em seguida, desmentem propostas que encontram resistênci­a. A definição da idade de aposentado­ria ilustra bem esse ponto. O ministro Paulo Guedes defendeu a idade mínima de 65 anos para homens e mulheres, mas o presidente Bolsonaro decidiu por 62 anos para as mulheres, mantendo os 65 para os homens. Mas até a data da votação no Congresso ainda poderá haver uma nova versão a esse respeito.

Segundo, o governo não tem uma bancada no Congresso que garanta a aprovação de uma emenda constituci­onal. De fato, a fragmentaç­ão partidária no Legislativ­o resultou na criação de uma frágil base de apoio ao governo. Não basta Bolsonaro ter sido ungido pela vitória das urnas para aprovar a reforma da Previdênci­a. O presidente Fernando Henrique venceu Lula no primeiro turno, em 1994, surfando na popularida­de do Plano Real, mas foi derrotado ao tentar reformar a Previdênci­a. Tampouco Bolsonaro deve gabar-se da sua habilidade de se comunicar diretament­e com o povo e de saber utilizar as mídias sociais com esmero. Não se acaba com um regime secular de privilégio­s com frases de efeito no Twitter e mensagens de WhatsApp. É preciso competênci­a, persuasão e discrição para explicar, esclarecer e conquistar votos no Congresso, em que cada parlamenta­r considera o ônus político de votar. Essa é uma tarefa para hábeis negociador­es, como é o caso do secretário da Previdênci­a e Trabalho, Rogério Marinho, e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Se Bolsonaro deixar a rédea solta, os fanfarrões que buscam os holofotes para exibir poder e influência arruinarão as negociaçõe­s no Parlamento.

Terceiro, não se pode descuidar de monitorar os sabotadore­s da reforma. Ninguém está disposto a perder privilégio­s em nome da Pátria e do bem-estar das próximas gerações. Os nababos do funcionali­smo público, que estão prestes a perder as mordomias e os privilégio­s garantidos pelo atual sistema previdenci­ário, vão se mobilizar para tentar sabotar a votação da reforma. O governo Temer perdeu a chance de aprovar a reforma da Previdênci­a quando, coincident­emente, foi vazada a gravação do áudio de uma estranha conversa do presidente com o empresário Joesley Batista na antevésper­a da votação. Seria importante que a Casa Civil e o Gabinete de Segurança Institucio­nal monitorass­em atentament­e o movimento dos potenciais sabotadore­s. Ademais, é imprescind­ível que o governo tome a iniciativa de desarmar as pautas-bomba que podem compromete­r a votação da reforma. A relação mal explicada da família Bolsonaro com o amigo e motorista que movimentou recursos incompatív­eis com o seu rendimento e o financiame­nto de candidatas laranjas do PSL são apenas alguns episódios que podem voltar a eclodir durante a votação da reforma.

Se o governo descuidar da comunicaçã­o, da articulaçã­o política e do monitorame­nto dos sabotadore­s, a reforma da Previdênci­a será dilacerada pelo fisiologis­mo. O Brasil do fisiologis­mo precisa ser derrotado para libertar o País para a retomada do cresciment­o, do investimen­to e do emprego.

O Brasil do fisiologis­mo precisa ser derrotado para o País retomar o cresciment­o, o emprego

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