O Estado de S. Paulo

A crise no ar

- E-MAIL: JOAODOMING­OS56@GMAIL.COM TWITTER: @JOAODOMING­OS14 JOÃO DOMINGOS É JORNALISTA E ESCREVE AOS SÁBADOS

Ademora do presidente Jair Bolsonaro em tomar uma decisão sobre o afastament­o ou não do advogado Gustavo Bebianno da Secretaria-Geral da Presidênci­a não contribui em nada para debelar a maior crise política de seus 45 dias de administra­ção.

Enquanto Bolsonaro pensa no que fazer, prevalecer­á a impressão de que o grupo de militares que atua no governo trabalha para que não se mexa com o ministro. Ou, então, que Bebianno sabe de coisas demais e que há risco de, na saída, sair atirando. Corre no governo a informação de que os militares preferiram ficar ao lado do ministro, que disse ter falado com o presidente quando este ainda estava no Hospital Albert Einstein, mas foi desmentido pela rede social por um dos filhos, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ). O desmentido foi corroborad­o pelo pai um pouco depois.

A melhor solução para esse caso seria o afastament­o imediato do ministro Bebianno. Se não em definitivo, pelo menos temporaria­mente, até que tudo seja esclarecid­o. Afinal, existe a suspeita de que o PSL, partido do presidente, usou candidatos laranja para a distribuiç­ão do dinheiro do Fundo Eleitoral. Por determinaç­ão de Bolsonaro, o ministro da Justiça e Segurança, Sérgio Moro, terá de cuidar da apuração do caso. Durante a campanha Bebianno presidiu interiname­nte o PSL. Foi ele o responsáve­l por levar todo o grupo de Bolsonaro para o partido. Chefiou ainda a equipe de juristas e cuidou do caixa.

Quanto ao afastament­o de Carlos Bolsonaro da possibilid­ade de dar pitacos nas questões de governo, decidida pelo pai, esse é um ato que se faz necessário de fato. O eleitor votou em Jair Bolsonaro para presidente da República. Não num mandato colegiado, que inclui também os filhos. Quem gosta de mandato coletivo é o PSOL. Em alguns locais, em Pernambuco e em São Paulo, por exemplo, o eleitor votou num candidato e levou cinco.

Voltando à crise política, ela veio forte porque envolveu de novo um filho do presidente em questões de governo, o próprio presidente, que deu apoio a Carlos, e o chefe da campanha vitoriosa, tornado ministro. Tudo isso, nas vésperas do anúncio do conteúdo do projeto de reforma da Previdênci­a, a mais esperada e mais comentada reforma a ser feita pelo governo, um assunto sensível e de aprovação difícil. Ainda mais sabendo-se que o governo não teve competênci­a para montar uma equipe de articulado­res políticos que consiga garantir uma base de sustentaçã­o forte no Congresso.

Como admitiu o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO), o governo não tem os 308 votos na Câmara e os 49 no Senado para aprovar a reforma da Previdênci­a. Para construir a governabil­idade, disse Waldir, sem nenhuma cerimônia, terá de oferecer cargos no governo aos partidos, e dar garantias de que vai liberar o dinheiro das emendas parlamenta­res ao Orçamento da União.

Pelo que se vê, a maçaroca para Bolsonaro desenrolar é grande. Vai do envolvimen­to de familiares nas questões de governo, na falta de uma solução para o ministro Gustavo Bebianno, e na confissão, pelo líder do partido do governo, de que o jeito será recorrer aos costumes da velha política, de construção de uma base governista sustentada no “toma lá, dá cá” que o presidente tanto combateu durante a campanha.

Fazer o quê? Como disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ao analisar esse momento da vida política brasileira: “Inicio de governo é desordenad­o. O atual está abusando. Não dá para familiares porem lenha na fogueira. Problemas sempre há, de sobra. O presidente, a família, os amigos e aliados que os atenuem, sem soprar nas brasas. O fogo depois atinge a todos, afeta o País. É tudo a evitar.” Taí um conselho que, mesmo detestando Fernando Henrique como detesta, Bolsonaro deveria seguir.

Por enquanto, fica a impressão de que os militares fazem pressão para que Bebianno fique

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