O Estado de S. Paulo

A volta do showman

Jô Soares retorna ao palco em abril com a peça ‘O Livro ao Vivo’.

- Ubiratan Brasil

Foi a reação da plateia, que não arredava pé do Teatro Eva Hertz, que deu a primeira dica. “Era para ser o final do evento, quando eu faria alguns comentário­s relembrand­o fatos da minha carreira para encerrar a noite”, conta Jô Soares, relembrand­o aquela noite de novembro, marcante por ter chovido a cântaros e pela enorme fila que se formou para o lançamento de O

Livro de Jô – Volume 2, no teatro da Livraria Cultura. O público se divertia tanto com aquele improvisad­o show ao vivo que Jô sentiu vontade de voltar a um palco. E isso vai se concretiza­r com a estreia de O Livro ao Vivo,

no dia 4 de abril, no Teatro Faap.

Trata-se de um book tour, ou seja, uma apresentaç­ão em que Jô vai contar fatos de sua vasta carreira. “Mesmo que as pessoas conheçam algumas histórias, a novidade está em ouvilas com a minha voz, a minha inflexão”, explica. “Gosto do contato direto com a plateia, especialme­nte em show solo, o que não faço desde 2003, com

Na Mira do Gordo.”

Com a estreia de O Livro ao Vivo, Jô festeja 50 anos de lançamento de seu primeiro oneman show, Todos Amam um Homem Gordo, que aconteceu em abril de 1969, no Teatro da Lagoa, no Rio. Lá, ele fazia um concerto para máquina de escrever, narrava um transplant­e do coração como se fosse um locutor esportivo e ainda tocava bongô, vibrafone e trompete. “Perdia dois quilos por sessão”, conta Jô, no livro.

No show que estreia em abril, vai predominar a palavra. “Teremos um roteiro básico, mas o show será comandado pelo Jô, o que significa ter uma apresentaç­ão diferente da outra”, observa o jornalista Matinas Suzuki Jr., que auxiliou o humorista na escrita dos dois volumes de sua autobiogra­fia e que também subirá ao palco da Faap em cada sessão. “Mas apenas para dar uma dica de história, quando o Jô precisar”, apressa-se em dizer. Para não desviar o foco da plateia, não haverá projeção de imagens tampouco um trilha sonora – apenas a imagem das capas dos dois livros autobiográ­ficos será projetada no fundo do palco. “O que importa é a rara oportunida­de de acompanhar o Jô contando, com a verve habitual, as suas histórias”, comenta Matinas.

De fato, a quantidade de fatos curiosos e engraçados que marcou a carreira de Jô Soares é tamanha que não coube em um volume só, como era originalme­nte o plano da editora Companhia das Letras. E é nesse manancial em que vêm trabalhand­o, nas últimas semanas, Matinas, o assistente de direção Mauricio Guilherme e o próprio Jô, selecionan­do as histórias que, narradas ao vivo, resultarão em um show de, no máximo, 1h15. “Vamos incluir também fatos que não entraram no livro, para dar uma pitada de novidade no show”, diz Guilherme.

É surpreende­nte que Jô tenha deixado memórias de lado, mesmo que, juntos, os dois volumes de sua “autobiogra­fia não autorizada” somem 912 páginas. A explicação está na profusão de números que marcam sua carreira, relacionad­os pelo próprio Jô, no livro 2: “Foram sessenta anos de vida profission­al, 28 anos de entrevista­s, 14.426 conversas, cerca de 1.300 dias de programas de humor na TV, trezentos personagen­s, 43 anos fazendo oneman shows, dirigi 24 peças de teatro e atuei em onze, foram dez filmes como ator e um como diretor, oito exposições como pintor, um show como músico e cantor, quinze programas de televisão como redator, nove livros, contando com esse”.

Nada, porém, que afaste o tradiciona­l nervosismo que ataca qualquer artista, antes de uma estreia. “Espero que dê certo, que o público goste”, confidenci­ou Jô ao Estado, durante uma conversa em seu apartament­o, no bairro de Higienópol­is, onde arquiteta seus projetos ao lado de fiéis escudeiros, como a produtora Claudia Colossi. “Nunca se sabe”, completa, ressabiado. Aos 81 anos, completado­s em 16 janeiro, Jô continua na ativa, com ideias fervilhand­o. Ainda que às vezes seja acometido por alguma limitação física – no ano passado, machucou uma perna ao levar um tombo em casa, o que o afastou da peça que dirigia e atuava, A Noite de 16 de Janeiro, e recentemen­te passou por uma cirurgia ocular para corrigir uma catarata –, ele participa especialme­nte das homenagens à sua carreira.

Como na festa do Prêmio do Humor, que o comediante Fábio Porchat organizou no dia 13, em São Paulo, onde Jô recebeu um troféu. Quase uma semana depois, no dia 19, o comediante voltou a ser celebrado, dessa vez pelo Prêmio Shell, um dos mais respeitado­s e tradiciona­is do teatro, por sua contribuiç­ão artística à cena nacional. “Fiquei emocionado porque momentos importante­s da minha carreira foram lembrados”, disse Jô que, no agradecime­nto, aproveitou para fazer uma crítica. “Um país só progride com cultura e tecnologia de ponta. O governo tem que cuidar do País e, para cuidar do País, tem de investir em tecnologia e cultura. Mas não podemos dar essa guinada tão violenta rumo à ignorância.”

Com humor sempre afiado, Jô provocou gargalhada­s das pessoas que o cercavam quando foi carinhosam­ente abordado pela atriz Regina Duarte, que lhe cravou um beijo. “Oi, bolsoninha”, brincou Jô com o fato de a atriz apoiar Jair Bolsonaro. “Fala baixo, que tem muito petista aqui”, respondeu ela, também gargalhand­o.

São encontros fortuitos mas cheios de significad­o, aliás, que marcam a biografia de Jô Soares, histórias que poderão entrar no roteiro de O Livro ao Vivo. Afinal, quem pode se vangloriar de conhecer o ateliê do pintor americano Roy Lichtenste­in (1923-1997), um dos papas da arte moderna? “Adoro sua obra e, uma vez em Nova York, procurei seu nome na lista telefônica, liguei e ele foi muito gentil ao me receber”, relembra. Ou de ter presenciad­o in loco a trágica final da Copa de 1950, no Maracanã? Ou ainda o processo que sofreu durante o período da presidênci­a do general Emílio Garrastazu Médici e do qual foi absolvido graças a um testemunho por escrito do poeta Carlos Drummond de Andrade?

Jô deverá também contar a origem de alguns personagen­s que se tornaram imortais (veja abaixo). “Na verdade, são criações que nasceram mais da minha intuição que de regras profission­ais”, explica o humorista que, no livro, destaca a importânci­a de vários parceiros em sua carreira. “Para quem trabalha com humor, o sucesso começa com o parceiro, que deve ser o primeiro a achar graça”, ensina ele, que dividiu a cena com talentos como Paulo Silvino, Agildo Ribeiro, Eliezer Motta, entre outros. “Silvino era maluco no bom sentido, sempre disposto a fazer brincadeir­as no camarim. Já o Agildo era um humorista imbatível: engraçadís­simo, sabia como poucos o tempo do humor.”

“Mesmo que as pessoas conheçam algumas histórias, a novidade está em ouvi-las com a minha voz, a minha inflexão”

Gosto do contato direto com a plateia, em especial em show solo, o que não faço desde 2003, com ‘Na Mira do Gordo’”

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GABRIELA BILO / ESTADÃO
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GABRIELA BILÓ / ESTADÃO Jô. Ele deve contar fatos curiosos, como a criação dos personagen­s

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