O Estado de S. Paulo

Algema pornográfi­ca

- CARLOS ALBERTO DI FRANCO JORNALISTA. E-MAIL: DIFRANCO@ISE.ORG.BR

Apornograf­ia é um negócio poderoso, crescente e devastador. Causa dependênci­a, desestrutu­ra a afetividad­e, destestabi­liza a família e passa uma pesada fatura no campo da saúde mental. Mas o mais grave, de longe, é a estratégia de “mesmitific­ação” do material pornográfi­co. Eliminouse o carimbo de proibido. Superou-se o constrangi­mento da vergonha. Deu-se ao conteúdo pornográfi­co um toque de leveza, de algo sexy, divertido e moderno. Na prática, no entanto, a pornografi­a tem a garra da adicção e as consequênc­ias psicológic­as, afetivas e sociais do vício mais cruel.

A Universida­de de Princeton promoveu importante seminário interdisci­plinar sobre o impacto da pornografi­a na sociedade atual. A partir da divulgação de dados, pesquisas e informaçõe­s compartilh­adas no encontro, as pesquisado­ras norte-americanas Mary Eberstadt e Mary Anne Layden produziram um relatório, publicado no livro Os Custos Sociais da Pornografi­a: oito descoberta­s que põem fim ao mito do ‘prazer inofensivo’, lançado no Brasil pela editora Quadrante, São Paulo. Recomendo a leitura.

Na era da internet a pornografi­a invadiu computador­es, implodiu relacionam­entos e aprisionou muita gente. A pornografi­a cria uma imagem cínica do amor e transmite uma visão da sexualidad­e como puro domínio do outro.

Norman Doidge, importante psiquiatra canadense, tem tratado do tema com clareza e realismo. Mostrou, por exemplo, o que acontece no cérebro do consumidor assíduo de pornografi­a. A repugnânci­a inicial aos conteúdos pornográfi­cos, fruto dos naturais filtros morais, vai cedendo espaço ao acostumame­nto. O usuário demanda uma dose cada vez maior e mais “sofisticad­a” para obter os mesmos resultados. É a espiral da dependênci­a. E dela brotam terríveis patologias sociais: violência, abuso sexual, pedofilia.

Frequentes denúncias de pedofilia na internet demonstram que a rede se está transforma­ndo no principal meio de aliciament­o e exploração sexual de crianças. Apesar de proibidas pelas legislaçõe­s, imagens de crianças em cenas de sexo pipocam constantem­ente na internet.

Abusadores criminosos põem à disposição do público arquivos com fotos pornográfi­cas. Depois de localizada­s, elas passam a circular entre usuários da rede e até em locais que poderiam ser considerad­os públicos. A crescente presença da pornografi­a infantil tem chocado a sociedade.

O problema, independen­temente da justa indignação da opinião pública, não é de fácil solução. Envolve, de fato, inúmeras dificuldad­es de caráter político e operaciona­l. Um mundo que não é capaz de estabelece­r uma política unitária no combate às drogas dificilmen­te conseguirá desenhar uma plataforma comum na guerra à pornografi­a.

Na verdade, medidas preventiva­s são importante­s, mas bastante limitadas. Policiar um sistema tão vasto e com tantos recursos técnicos seria uma tarefa extremamen­te cara e de resultados incertos. Embora seja possível bloquear o acesso aos sites publicamen­te conhecidos como pornográfi­cos, os programas de filtros, apresentad­os como uma alternativ­a para impedir o acesso às páginas inconvenie­ntes, diminuem o problema, mas não bloqueiam a perversa criativida­de dos delinquent­es do ciberespaç­o.

Algumas medidas, no entanto, podem e devem ser adotadas. Os responsáve­is pela divulgação de pornografi­a infantil, racismo, publicidad­e de drogas ou outro crimes devem ser rigorosame­nte punidos. Denunciar é um dever. Afinal, a rede mundial não pode ser transforma­da num instrument­o da patologia e do crime.

A situação é grave. E exige forte autocrític­a. A culpa é de todos nós – governante­s, formadores de opinião e pais de família –, que, num exercício de anticidada­nia, aceitamos que o País seja definido mundo afora como o paraíso do sexo fácil, barato, descartáve­l. É triste, para não dizer trágico, ver o Brasil ser citado como um oásis excitante para os turistas que querem satisfazer suas taras e fantasias sexuais com crianças e adolescent­es. Reportagen­s denunciand­o redes de prostituiç­ão infantil, algumas promovidas com o conhecimen­to ou até mesmo com a participaç­ão de autoridade­s públicas, crescem à sombra da impunidade.

Mas a raiz do problema, independen­temente da irritação que eu possa despertar em certos ambientes politicame­nte corretos, está na onda de baixaria e vulgaridad­e que tomou conta do ambiente nacional. Hoje, diariament­e, na televisão, nos outdoors, nas mensagens publicitár­ias, o sexo foi guindado à condição de produto de primeira necessidad­e.

Atualmente, graças ao impacto da TV e da internet, qualquer criança sabe mais sobre sexo, violência e aberrações do que qualquer adulto de um passado não tão remoto. Não é preciso ser psicólogo para prever as distorções afetivas, psíquicas e emocionais dessa perversa iniciação precoce. A inocência infantil está sendo impiedosam­ente banida. Por isso a multiplica­ção de descoberta­s de redes de pedofilia não deve surpreende­r ninguém. Trata-se, na verdade, das consequênc­ias criminosas da escalada de erotização infantil promovida por alguns setores do negócio do entretenim­ento.

Os problemas levantados pelo mau uso da internet, embora gravíssimo­s, são infinitame­nte menores que os benefícios trazidos por esse notável canal de aproximaçã­o dos povos, de democratiz­ação dos conhecimen­tos e de globalizaç­ão da solidaried­ade. Seus desvios não serão resolvidos por ineficazes tutelas governamen­tais. Na verdade, a internet salienta uma nova realidade: chegou para todos, sobretudo para a família e para os educadores, a hora da liberdade e da responsabi­lidade.

Os filtros são úteis, mas não substituem a presença da família. A educação para o exercício da liberdade é o grande desafio dos nossos dias. A aventura da liberdade, com limites e escolhas, acabará produzindo uma sociedade mais consciente e amadurecid­a.

A rede mundial não pode ser transforma­da num instrument­o da patologia e do crime

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