O novo surto de sarampo
Adura realidade do presente teima em esmaecer visões mais alvissareiras que se possa ter para o futuro do Brasil. O mesmo país que pleiteia o ingresso no grupo de elite das nações nos grandes fóruns internacionais ainda tem de lidar com mazelas que há muito não deveriam mais causar tanta preocupação.
O registro de um novo caso de sarampo endêmico no País, ocorrido no dia 23 de fevereiro no Pará, marcou o período de um ano de “transmissão sustentada” da doença. Com isso, o Brasil perderá o certificado de país livre do sarampo que havia sido concedido pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) em 2016. O novo caso de infecção viral foi comunicado à entidade pelo Ministério da Saúde há uma semana.
O sarampo voltou a afligir os brasileiros no início do ano passado, a partir de Estados da Região Norte. Como é sabido, o País recebeu um grande afluxo de refugiados venezuelanos naquela região, o que, em alguma medida, explica o aumento dos casos de infecção, já que o país vizinho vem sofrendo com um surto da doença há mais tempo. Entretanto, não seriam casos em número suficiente para, por si sós, levar o Brasil a perder o certificado. Especialistas em saúde pública alertam que caso a vacinação da população brasileira fosse adequada não haveria como um novo surto de sarampo se estabelecer no País.
O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, disse que as taxas de vacinação no País caíram muito nos últimos anos, para bem abaixo dos 95% considerados ideais. “Nosso plano consiste em encaminhar medidas importantes ao Congresso Nacional como a exigência do certificado de vacinação, não impeditiva, para ingresso na escola e no serviço militar”, disse o ministro. Está prevista ainda a criação de uma secretaria para “monitorar os índices de vacinação no País”.
É bom saber que o Ministério da Saúde pretende agir para livrar o Brasil de uma condição vergonhosa e, no decorrer dos próximos 12 meses, adotar as medidas para obtenção de um novo certificado de país livre do sarampo. Porém, tendose em vista o que foi divulgado até agora, não há sinais claros de que isso se materializará no tempo desejado.
Nosso sistema de vacinação pública é um caso de sucesso amplamente reconhecido no exterior. Segundo o Ministério da Saúde, anualmente são aplicados cerca de 300 milhões de doses de 25 diferentes tipos de vacinas, em 36 mil postos de saúde espalhados por todo o País. Ou seja, vacinas gratuitas não faltam, tampouco acesso a elas pela população. Falta bom senso.
Segundo o Unicef, o País vai na contramão da tendência mundial que aponta para o crescimento do número de crianças vacinadas. Em grande medida, a responsabilidade por esse retrocesso recai sobre pais e responsáveis. Tem sido observado o crescimento de campanhas antivacinação no mundo inteiro, por incrível que possa parecer, em especial no Brasil. Contribui para essa tolice irresponsável a disseminação de informações falsas pelas redes sociais quanto aos possíveis “males” que as vacinas poderiam causar para a saúde das crianças.
Será inócua, portanto, a exigência do certificado de vacinação para matrícula de crianças em escolas, como pretende o Ministério da Saúde, caso seja mantido seu caráter “não impeditivo”. Se pais e responsáveis não são sensibilizados pela imensa oferta de informação científica confiável hoje disponível, faz-se absolutamente necessária uma ação mais incisiva do Estado para preservar a saúde de milhões de cidadãos. Os não vacinados, convém lembrar, são um risco para toda a população.
Há quem veja programas de vacinação estatal como uma forma de “violência stalinista” contra o cidadão. É o caso de Massimiliano Fedriga, político da Liga Norte, partido de extrema direita da Itália e um dos mais aguerridos defensores de movimentos antivacinação em seu país. Ironicamente, ele foi internado na semana passada após contrair catapora.
O Brasil não precisa chegar neste nível de ridículo. Que prevaleça a sensatez.