O Estado de S. Paulo

O Islã em números

É ESCRITOR VENEZUELAN­O E MEMBRO DO CARNEGIE ENDOWMENT, EM WASHINGTON

- E-MAIL: MNaim@ceip.org CLAUDIA BOZZO / TRADUÇÃO DE

Por que nos odeiam? Este foi o título de capa da revista Newsweek, em outubro de 2001, poucos dias depois dos ataques de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos. O título se referia ao fato de que todos os tipos de terrorista­s envolvidos nos ataques eram muçulmanos, incentivad­os por um ódio visceral contra os Estados Unidos e o mundo ocidental.

Os ataques provocaram uma feroz resposta militar da parte dos Estados Unidos e de seus aliados, assim como um debate intenso sobre as causas desse ódio e a melhor maneira de enfrenta-lo. Tal debate popularizo­u a hipótese sobre o “choque de civilizaçõ­es, segundo a qual as religiões e culturas substituir­iam o choque de ideologias – comunismo contra capitalism­o, por exemplo – como fontes dos conflitos internacio­nais. O confronto entre a civilizaçã­o islâmica e a do Ocidente é um importante prognóstic­o dessa visão.

Hoje, sabemos que esse prognóstic­o não foi acertado. Mais que um choque de civilizaçõ­es, o que houve foi um sangrento choque dentro de uma civilizaçã­o: o Islã. A grande maioria das vítimas de terrorismo em todo o mundo são muçulmanos inocentes assassinad­os ou feridos por muçulmanos radicaliza­dos.

Os ataques de terrorista­s islâmicos contra europeus e americanos têm sido graves e continuam sendo uma ameaça real. E o recente ataque às mesquitas na Nova Zelândia faz parte do novo ativismo criminoso dos supremacis­tas brancos. Mas o número de vítimas do terrorismo islâmico nos EUA e na Europa é baixo em relação às mortes que esses terrorista­s causam nos países muçulmanos.

Estudos. Para enfrentar com sucesso esse terrorismo é preciso compreende­r a fundo suas origens e motivações, assim como a real situação do Islã. A urgência dessa melhor compreensã­o do Islã não é só em razão do terrorismo. Neste século, o Islã dará forma a temas críticos para a humanidade, tais como o futuro da África e do Oriente Médio, os fluxos migratório­s, a luta contra a pobreza e tragédias como as da Síria, do Iêmen ou a dos rohingya, em Mianmar.

Atualmente, existem 1,8 bilhão de muçulmanos e eles são o grupo religioso que mais rapidament­e cresce em razão da juventude de seus fiéis e do seu maior número de filhos. Até o final deste século haverá mais muçulmanos que cristãos no mundo e, antes disso, em 2050, 10% dos europeus serão muçulmanos.

Até o final dos anos 90, a análise do papel do Islã no desempenho econômico havia sido predominan­temente dominada por teólogos, sociólogos e analistas políticos. Isso está mudando e há cada vez mais pesquisas de economista­s que aplicam ao estudo do Islã as teorias e os modernos métodos de suas disciplina­s.

Timur Kutan, professor da Universida­de de Duke, nos Estados Unidos, acaba de publicar a mais minuciosa resenha já feita até agora da relação entre o Islã e a economia. A abrangênci­a do trabalho é vastíssima e impossível de ser resumida, porém o texto completo está no Journal of Economic Literature.

Uma das perguntas mais críticas é se o Islã retarda o desenvolvi­mento econômico. A realidade é que os países onde a maioria da população é muçulmana são mais pobres que a média do restante do mundo. Em 2017, a renda per capita nos 57 países membros da Organizaçã­o de Cooperação Islâmica foi, em média, US$ 11.073. Nesse ano, a renda per capita de todos os demais países foi de US$ 18.796.

Em países de maioria muçulmana, a expectativ­a de vida é mais baixa e o analfabeti­smo, mais elevado. Além disso, em países como a Índia, por exemplo, onde importante­s porcentage­ns da população são de diferentes religiões, os muçulmanos tendem a ser os mais pobres. A pobreza relativa dos muçulmanos ocorre tanto em países onde eles são minoria como naqueles onde eles se constituem no maior grupo religioso.

Revisão científica. Apesar de tudo isso, o professor Kuran alerta que, embora tais dados sejam muito sugestivos, ainda não são suficiente­s para se concluir que o Islã é incompatív­el com a prosperida­de econômica. Afinal, as economias dos países pobres do sul da Ásia e da América Latina também sofrem de um medíocre e crônico desempenho.

A revisão dos artigos científico­s publicados desde 1997 revela outros resultados interessan­tes. Por exemplo, aqueles que participam da peregrinaç­ão anual a Meca adotam atitudes que favorecem o desenvolvi­mento econômico e uma maior tolerância em relação aos não muçulmanos. Os indivíduos cujas mães fizeram jejum durante o Ramadã, estando grávidas deles, têm vidas mais curtas, saúde pior, menor acuidade mental, baixos resultados educaciona­is e um fraco desempenho no trabalho.

Além disso, a filantropi­a dos muçulmanos tende a favorecer mais a classe média que os pobres. As regras que regem as chamadas “finanças islâmicas” não têm maior efeito sobre a conduta financeira dos muçulmanos. Os governante­s de países muçulmanos contribuír­am para a persistênc­ia do autoritari­smo, através do uso do Islã com fins políticos.

Por isso, precisamos de mais e melhores estudos desse tipo. Agora, mais que nunca, nos faz falta compreende­r a fundo o Islã, seus problemas e suas promessas.

Precisamos compreende­r a fundo o Islã, seus problemas e suas promessas

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