O Estado de S. Paulo

Os riscos do regime de capitaliza­ção

- CLAUDIO ADILSON GONÇALEZ

APEC da reforma previdenci­ária prevê a criação, por Lei Complement­ar, do regime de previdênci­a por capitaliza­ção. O ministro Paulo Guedes tem se mostrado defensor intransige­nte do novo sistema. Em diversas ocasiões, mencionou que o Brasil deveria se inspirar no sucesso do modelo chileno.

Em tese, concordo com o ministro. O regime de repartição tende a transferir um ônus excessivam­ente pesado para as gerações futuras, na medida em que a população envelhece e cresce a relação entre beneficiár­ios e a força de trabalho. Se não tiver suas regras de acesso aos benefícios frequentem­ente ajustadas, esse sistema tende a caminhar para a insolvênci­a.

No entanto, é preciso tomar muito cuidado ao implantar o regime de capitaliza­ção. Longe de ser uma panaceia, nos países em que foi adotado gerou grandes problemas.

Tomemos o exemplo do Chile, que tanto seduz os técnicos do governo Bolsonaro. Quando implantado, em 1981, na ditadura Pinochet, gerou enormes expectativ­as positivas. Tudo indicava que o novo regime, além de resolver o problema de financiame­nto da Previdênci­a, criaria expressivo volume de poupança que propiciari­a o financiame­nto de investimen­tos produtivos. Quase 30 anos depois, a realidade é bem diversa.

Mesmo com a reforma promovida pela ex-presidente Bachelet, 79% das aposentado­rias atuais estão com valor abaixo do salário mínimo (cerca de R$ 1.400). Em média, os chilenos que se aposentam recebem 38% do salário da ativa. O objetivo de formar poupança para o financiame­nto de investimen­tos também não se concretizo­u. As fortes regras prudenciai­s estabeleci­das para as Administra­doras dos Fundos de Pensão (AFP) fazem com que elas deem preferênci­a a aplicações em ativos externos de baixo risco ou em títulos do Tesouro chileno. Muito pouco é carreado para investimen­tos produtivos.

Pelo menos dois erros crassos foram cometidos no sistema chileno. O primeiro foi a enorme superestim­ativa da rentabilid­ade dos fundos de aposentado­ria, o que resultou no estabeleci­mento de uma contribuiç­ão de apenas 10% sobre os salários, sem qualquer aporte patronal. Na década de 80, o juro básico norte-americano (fed funds rate) foi de em média 6% ao ano, acima da inflação. Hoje é praticamen­te zero. Isso certamente influencio­u muito a superestim­ativa dos retornos projetados na época.

O segundo erro foi a instituiçã­o da capitaliza­ção para todas as faixas de renda, sem proteção de renda mínima para os mais pobres (problema parcialmen­te corrigido com a reforma de 2008). A tendência internacio­nal é de criar três pilares: um mínimo, de caráter assistenci­al; um segundo, destinado aos trabalhado­res de renda baixa e média, que continuari­am no regime de repartição, pois estes não podem se sujeitar aos riscos de mercado na formação de seu pecúlio; e um terceiro, para rendas mais altas, para o qual se aplicaria o regime de capitaliza­ção.

É exatamente neste ponto que a PEC da Previdênci­a deixa a capitaliza­ção excessivam­ente aberta para definição na Lei Complement­ar, muito mais fácil de ser aprovada que uma

O ideal é que essa opção fosse restrita aos segurados de maior renda, digamos, acima de R$ 4 mil mensais

Emenda Constituci­onal. Em tese, qualquer segurado poderá ir para o novo regime, preservand­o-se apenas a garantia do piso de benefício igual a um salário mínimo. O ideal é que essa opção fosse restrita apenas aos segurados de maior renda, digamos, aos que ganham acima de R$ 4 mil mensais.

Tornar a capitaliza­ção muito ampla gera, ainda, um custo de transição insuportáv­el, pelo tamanho do buraco atual e a tendência demográfic­a brasileira. Por exemplo, se todos os novos ingressant­es na força de trabalho optarem pela capitaliza­ção, a perda de arrecadaçã­o para financiar os atuais beneficiár­ios seria da ordem de R$ 370 bilhões nos próximos dez anos. Isso é mais da metade dos ganhos fiscais esperados pela proposta, após os ajustes a serem feitos no Congresso.

ECONOMISTA, DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORE­S, FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁ­RIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA

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