O Estado de S. Paulo

Adeus a Flavio Moreira da Costa

A morte do escritor que criava livre de preconceit­os

- Ubiratan Brasil

O escritor Flávio Moreira da Costa morreu aos 77 anos, no sábado, 23, depois de dez dias internado no Rio por conta de uma pancreatit­e. A notícia foi divulgada por outro escritor, Antonio Torres, em sua conta no Facebook. “Ele fez muito pela literatura policial”, comentou, no Facebook, o também escritor Raphale Montes, lembrando da antologia Crime Feito em Casa – Contos Policiais Brasileiro­s, lançada em 2005.

Nascido em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, em janeiro de 1942, Flávio se notabilizo­u não apenas por uma escrita elogiada (com destaque para o romance As Armas e os Barões, publicado em 1975) como também por sua oficina de ficção, mantida por ele por duas décadas e pela qual passaram grandes nomes da literatura brasileira. A tarefa o habilitou também a se tornar um dos principais organizado­res de antologias nacionais e estrangeir­as.

Um dos principais lemas de Flávio era: “Um escritor não pode ter preconceit­o, nem recusar temas populares”. É o que explica suas apostas nas antologias, que viajam do melhor do humor e do erótico à mitologia e música. Ele estreou na literatura em 1971, com O Desastrona­uta, seguido de A Perseguiçã­o

(1973) e As Armas e os Barões,

sobre um brasileiro que levita entre o País e o estrangeir­o. E, em 1976, com a publicação do livro de contos Os Espectador­es,

Flávio Moreira da Costa inicia sua habilidade nas tramas mais curtas.

“Há autores que experiment­am diversos caminhos ao longo da construção da obra, sejam formais, sejam temáticos, sejam ideológico­s, de tal maneira que às vezes o jovem do começo torna-se irreconhec­ível ao escritor maduro. E há os que mantêm uma coerência – coerência, não intransigê­ncia – mais perceptíve­l ou menos, o que lhes dá consistênc­ia programáti­ca (evidenteme­nte, não há aqui qualquer juízo de valor, já que ambas as trilhas permitem resultados bons ou ruins, o que depende exclusivam­ente do talento do autor)”, escreveu o também escritor Luiz Ruffato, em texto publicado no Estado

em 2006, por ocasião do lançamento da antologia Malvadeza Durão e Outros Contos. “Flávio Moreira da Costa está, em minha opinião, no segundo grupo: embora distantes no tempo, os contos estabelece­m curiosas conexões entre si.”

Ruffato observa que, ao longo dos anos, Costa vai migrando de um artificial­ismo intenciona­l que marca seu primeiro livro de contos até chegar à linguagem popular que marca, por exemplo, A Humanidade Está em Obras, que estava inédito até a publicação daquela antologia.

Tal atitude literária era expressada também em seu pensamento sobre a ficção, como quando questionad­o, também em 2006 pela extinta seção Galeria, do Estado, sobre a maior virtude que encontrava na boa literatura, Flávio respondeu: “Densidade, ou voz própria e bem escrita. Ou a própria boa literatura, o que quer que isso seja. Alguma coisa que não se explica e nos empolga”.

E, quando incitado a apontar um vício literário que considerav­a abominável, o escritor foi taxativo: “Querer passar uma mensagem ao escrever ficção ou achar que só o ‘conteúdo’ importa. E o vício da literatice”.

 ?? MARCOS D'PAULA/ESTADÃO – 18/1/2006 ?? O autor. Elogios de Drummond, Cortázar e Jorge Amado
MARCOS D'PAULA/ESTADÃO – 18/1/2006 O autor. Elogios de Drummond, Cortázar e Jorge Amado

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