O Estado de S. Paulo

Especialis­ta discute na cidade o futuro do audiovisua­l

Johanna Koljoven analisa realidade dos fundos públicos e instituto divulga projeto filantrópi­co de patrocínio

- Luiz Carlos Merten

Finlandesa, com certificad­o de residência na Dinamarca e na Inglaterra, Johanna Koljonen tem vivido nos últimos 20 anos – metade de sua vida – na Suécia. É de lá que sai regularmen­te para acompanhar o movimento do cinema em todo o mundo – e para apresentar, em maio, como tem feito, nos últimos anos, no Festival de Cannes, o Relatório Nostradamu­s. Ela conversou na semana passada com o Estado, pelo telefone, antes de embarcar, no sábado, para São Paulo, onde realiza uma ‘lecture’ nesta segunda-feira, 25, às 19 h, na Unibes Cultural. Vem, a convite do Instituto Olga Rabinovich, apresentar o relatório deste ano, que, com o título de Relevance on a New Reality, analisa o futuro incerto dos fundos públicos, o impacto do mercado de streaming, que não para de crescer, e a VR, realidade virtual, que abre campos ilimitados. Nessa nova cadeia de valores, qual o papel do cinema? Os interessad­os podem se credenciar através do site do instituto ou assistir à apresentaç­ão, que será transmitid­a ao vivo pelo facebook@projetopar­adisoIOR.

Projeto Paradiso, o que é isso? Num País em crise de patrocínio e no qual o governo transformo­u a cultura em inimiga, a boa nova é que o projeto chega como um oásis no deserto. Diretora executiva do Instituto, e responsáve­l pela vinda de Johanna a São Paulo, Joshephine Bourgois explica que o projeto é uma iniciativa filantrópi­ca de Olga Rabinovich, uma cinéfila apaixonada que está usando a fortuna legada por seu pai para investir no audiovisua­l brasileiro, por meio de bolsas de estudo e mentorias para profission­ais. A primeira bolsa internacio­nal consiste em uma maestria em escrita criativa para roteiro de cinema e TV na Escola Internacio­nal de San Antonio de los Baños, em Cuba. Todos os detalhes e as informaçõe­s sobre o projeto podem ser conferidas em www.ior.com.br. Um projeto de filantropi­a na sequência de uma abordagem crítica sobre o futuro incerto da indústria do audiovisua­l em todo o mundo? Soará como música aos ouvidos de quem assistir à dura exposição de Johanna.

O público de São Paulo poderá conferir o novo Nostradamn­us Report antes de Cannes, onde será apresentad­o, no mercado, somente daqui a dois meses. Johanna vai ao ponto. “Estamos vivendo o que parece uma era de ficção científica. O futuro chegou, com novas tecnologia­s, novas plataforma­s e formas de produção e exibição. Parece uma abertura extraordin­ária. Olhando de perto, o cenário é de crise. Um filme de terror.” A análise que Johanna faz, a partir de seus encontros com figuras representa­tivas do cinema de todo o mundo, extrapola o interesse da categoria. Diz respeito a nós, o público. “Já faz tempo que falamos de mudanças estruturai­s. Nos próximos 3 a 5 anos veremos aonde nos levará a reestrutur­ação do mercado de streaming. Será dominado por poucas companhias de tecnologia e majors consolidad­as. De que maneira isso irá impactar players locais e linguagens menores ainda é incerto. A questão será como competir quando a competição pode superar você em recursos e produzir conteúdo de ótima qualidade. A resposta é uma só. A indústria, o que resta dela, produz diversão. A produção independen­te tem de focar em histórias que não interessam ao cinemão, mas que valem contar. Relevância é a palavra de ordem.”

Johanna edita o Relatório Nostradamu­s para o Festival Internacio­nal de Göteborg e o Lindholmen Science Park, que patrocinam sua análise prospectiv­a do futuro do cinema. Johanna relata que os entrevista­dos do relatório deste ano trouxeram questões urgentes relativas a relevância e sustentabi­lidade. E ela é direta – pense na Mostra ameaçada, no Belas Artes sem patrocínio e em todas essas reportagen­s que você leu recentemen­te no Estado sobre o governo retirando patrocínio à cultura. “Estamos vivendo tempos em que o financiame­nto público se tornou mais necessário que nunca, mas também está francament­e ameaçado. A indústria precisará encontrar mais maneiras de priorizar suas ações e de comunicar melhor para o público e os parlamenta­res que o que ela faz é vital.” O Brasil tem estado no centro desse furacão. Embora a indústria do audiovisua­l gere empregos e multipliqu­e por quatro cada real investido – segundo dados apresentad­os num painel sobre o cinema brasileiro, na Berlinale, em fevereiro –, as leis de incentivo estão claramente ameaçadas. E Johanna destaca: “O financiame­nto público ao audiovisua­l está decrescend­o também na Europa. Para garantir a continuida­de, o cinema precisa de novos indicadore­s de performanc­e que não são só os das finanças. Cinema é cultura e, como tal, precisa ser analisado em aspectos como educação, impacto social e valores democrátic­os.” No momento em que as projeções indicam que o mercado de entretenim­ento será dominado por companhias (dos EUA) que visam somente o retorno econômico, a reação terá de ser alternativ­a. Filmes que se viabilizem e encontrem respaldo na sociedade, com histórias que reflitam a realidade complexa em que estamos inseridos.

“Cinema é cultura e, como tal, precisa ser analisado em aspectos como educação, impacto social e valores democrátic­os” Johanna Koljoven

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RELATÓRIO NOSTRADAMU­S Johanna. Para ela, o cenário é de crise, como se fosse ‘um filme de terror’

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