O Estado de S. Paulo

Truffaut, Woody Allen, Bergman? Não, Domingos

Cineasta que morreu no sábado foi comparado a muitos autores, mas foi sempre ele mesmo, leve até quando profundo

- Luiz Carlos Merten

Nos últimos anos, Domingos Oliveira dava a impressão de estar cada vez mais fragilizad­o. Por causa da doença, falava com dificuldad­e. Nunca desistiu de atuar e dirigir. Morreu provavelme­nte como gostaria – trabalhand­o. Estava no computador, no sábado, 23. Sentiu-se mal, uma ambulância foi chamada. Não adiantou. Tinha 82 anos.

Domingos foi sempre um corpo estranho, um caso à parte no cinema brasileiro. Foi assistente de Joaquim Pedro em dois curtas, O Poeta do Castelo e Couro de Gato. Quando estreou, em 1966, o Cinema Novo, em plena ditadura, dava as cartas. Cinema engajado, político. E veio Domingos com Todas as Mulheres do Mundo, sua carta de amor para Leila Diniz. Paulo e Maria Alice, a música de Gabriel Fauré, a câmera de Mário Carneiro. Paulo ama Maria Alice, mas não consegue desistir de todas as mulheres. Comete uma falseta. Coloca o amor em risco.

Ele irrompeu no cinema brasileiro com fama de alienado. Ora, falar de amor em pleno País da estética da fome. Domingos persistiu – Edu, Coração de Ouro, As Duas Faces da Moeda. Outra falseta – na arte, É Simonal. E voltou ao seu intimismo. A Culpa, As Deliciosas Traições de Amor, Teu Tua, Vida, Vida. Após um hiato de 20 anos, surgiu Amores. Domingos, nosso romântico que desconfiav­a do romantismo, era chamado de François Truffaut brasileiro. Não era, mas o marketing funcionava. Justamente a partir de Amores, de 1997, passou a ser comparado a Woody Allen. Também não era, mas, como a de Woody, sua produção regularizo­u-se. Um filme por ano, a cada dois anos. Filmes baratos, muitas ou algumas vezes alimentado­s por sua produção dramatúrgi­ca, pois Domingos fazia teatro, cinema e, numa fase, também TV.

Ele escrevia, filmava. Filmes baratos que funcionava­m muito bem para seu estilo. Separações, Feminices , Carreiras , Juventude, Todo Mundo Tem Problemas Sexuais. Domingos repetia-se? Talvez. Mas aí veio uma outra fase – Primeiro Dia de Um Ano Qualquer, Infância, Barata Ribeiro, 716. Ingmar Bergman? Não. Foi sempre Domingos. Leve mesmo quando era profundo, e sempre apaixonado. Pelas mulheres, pelos amigos, pela vida, pelo cinema. Um (grande) artista brasileiro.

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WILTON JUNIOR/ESTADÃO Na contra mão. Surgiu sendo visto como um alienado.

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