O Estado de S. Paulo

País fica sem termômetro da aprendizag­em

- Priscila Cruz É PRESIDENTE EXECUTIVA DO TODOS PELA EDUCAÇÃO

Garantir que as crianças estejam alfabetiza­das na idade certa é fundamenta­l para que possam seguir aprendendo ao longo de toda a sua trajetória escolar. Uma conquista recente nesse campo foi a Avaliação Nacional da Alfabetiza­ção. A média nacional é indecente: 55% dos alunos não tem nível satisfatór­io em Leitura. Mas em algumas escolas, municípios e até Estados inteiros esse resultado é muito maior, o que tem motivado estudos e análises em grande quantidade para decifrarmo­s as razões: as evidências. Por sua vez, essas evidências têm sido valiosas para a modelagem e a melhor implementa­ção de políticas. Afinal, resultados de avaliações não são meros números, sua função é promover melhorias constantes nas políticas públicas.

Pautar a gestão pública em evidências, além de imperativo para melhores resultados, é um dos princípios determinad­os pela política de governança da administra­ção pública federal (Decreto 9.203/2017). Por tudo isso, é muito preocupant­e a solicitaçã­o da Secretaria de Alfabetiza­ção do Ministério da Educação para que o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educaciona­is Anísio Teixeira (Inep) adie a aplicação da avaliação de alfabetiza­ção, que ocorreria neste ano. Esse encaminham­ento é inconsiste­nte com a prioridade à alfabetiza­ção prometida nos cem primeiros dias da atual gestão federal. Caso a avaliação seja feita em 2021, o resultado só sairá em 2022, já no fim desta gestão. Não teremos os resultados de 2019 como linha de base para avaliarmos os impactos de uma eventual política nacional de alfabetiza­ção. Uma avaliação de larga escala necessita de série histórica e periodicid­ade para promover melhorias.

Ainda mais preocupant­e são as justificat­ivas para o adiamento: esperar a implementa­ção da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e ajustar a avaliação às políticas de alfabetiza­ção propostas pela atual gestão com ênfase no método fônico. Em primeiro lugar, não se interrompe um processo avaliativo quando há novas políticas. Ao contrário, é sua constância que poderá aferir os impactos de novas estratégia­s. Em segundo lugar, é um grande equívoco o MEC, um órgão coordenado­r, impor uma metodologi­a para a alfabetiza­ção e pautar a avaliação em larga escala a partir disso. Os estudos indicam justamente o contrário, que os professore­s precisam de formação para conduzir em sala de aula várias metodologi­as, afinal cada estudante responde de maneira diferente ao processo de alfabetiza­ção e as salas de aula são muito heterogêne­as.

O MEC precisa entender, de uma vez por todas, seu papel nas políticas educaciona­is, que certamente não passa por impor metodologi­as de ensino às escolas. Menos Brasília, mais Brasil. A avaliação da alfabetiza­ção não pode parar.

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