O Estado de S. Paulo

Bancos públicos detêm R$ 17 bi de dívidas sem garantia da Odebrecht

BNDES, Banco do Brasil e Caixa vão para o fim da fila de credores do grupo

- Sérgio Lazzarini PROFESSOR TITULAR DO INSPER

Bancos públicos e o fundo de investimen­to do FGTS detêm quase R$ 17 bilhões de dívidas da Odebrecht sem garantias reais, como ações ou imóveis. Ao entrar nessa categoria, essas instituiçõ­es vão para o fim da fila de credores do grupo, que tem dívidas de R$ 98,5 bilhões e pediu recuperaçã­o judicial anteontem. O maior credor nessa situação é o BNDES, com R$ 7 bilhões, seguido por BB (R$ 4,75 bilhões) e Caixa (R$ 4,13 bilhões). Bancos privados, por outro lado, detêm crédito de R$ 8,4 bilhões, mas com garantias, principalm­ente em ações da Braskem. A Odebrecht ainda pode pedir revisão do valor do acordo de leniência. Só com o governo, a multa foi calculada em US$ 2,4 bilhões e estabeleci­da após análise da capacidade de pagamento, feita há dois anos.

Orecém-aprovado pedido de recuperaçã­o da Odebrecht, o maior da história do País, vem na esteira de toda uma discussão sobre como o capitalism­o brasileiro emergirá das cinzas após a Operação Lava Jato. A própria Odebrecht, no seu pedido de recuperaçã­o, ressaltou as dificuldad­es que as condenaçõe­s trouxeram aos seus negócios.

De fato, mesmo entre alguns apoiadores da operação, é comum dizer que o remédio matou o paciente junto com a doença, ao levar tantas empresas a uma situação de inabilitaç­ão e até insolvênci­a. Para os pensadores mais à esquerda, a situação é ainda mais dramática por ter enfraqueci­do o empresaria­do nacional, agora à mercê de potenciais adquirente­s estrangeir­os.

Só que esse empresaria­do que está quebrando foi quem ajudou a quebrar o Brasil. Por muito tempo, o capitalism­o brasileiro estabelece­u laços com o setor público e foi agraciado com obras superfatur­adas, empréstimo­s subsidiado­s e isenções tributária­s, que só aumentaram o déficit e a dívida pública. Não é esse, por certo, o capitalism­o que queremos salvar.

Como já tive oportunida­de de argumentar, o ideal teria sido, nos acordos de colaboraçã­o, separar a empresa dos seus controlado­res. Acordos para atenuar as penalidade­s para as empresas, com vistas a preservar empregos e investimen­tos, deveriam ter sido acompanhad­os de exigências para que os donos se desfizesse­m do seu controle, fazendo com que eles, mais diretament­e, respondess­em pelos seus atos. O que temos, agora, são empresas falindo e os seus donos recebendo compensaçõ­es.

Olhando agora para frente, é preciso tornar o Brasil mais atrativo para novos entrantes que ajudem a retomar a trajetória de investimen­tos. Crucial reduzir barreiras para a entrada de empresas e investidor­es estrangeir­os que possam assumir o controle das empresas em recuperaçã­o e trazer mais poupança externa, que tanto nos faz falta.

Não menos importante, é preciso facilitar o cresciment­o de novos empreended­ores em setores intensivos em capital e conhecimen­to. Por muito tempo, bancos públicos como o BNDES favorecera­m grandes grupos em leilões de concessão. Chegou a hora de criar programas que, na direção inversa, estabeleça­m garantias para novos entrantes conseguire­m se financiar e entrar nos leilões.

Quem sabe, com isso, teremos um capitalism­o renovado, mais competitiv­o, e menos dependente de laços espúrios com o setor público.

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